Um Pequeno Assassinato – O que você está disposto a sacrificar?

Se você nos acompanha há algum tempo sabe que Alan Moore é meu escritor favorito. Digo escritor e não roteirista de quadrinhos pois pra mim Moore é um dos maiores criadores vivos, que sabe construir tramas e organizar palavras como poucos. O barbudo inglês enxerga os quadrinhos de uma forma muito peculiar e muito única, algo que é evidente em suas obras. Um Pequeno Assassinato é mais um exemplo das habilidades desse escritor.

Este quadrinho é de uma fase na qual Moore queria fazer algo diferente, após ter seu nome alçado ao estrelato devido ao sucesso de Watchmen e ter brigado com a DC e toda a indústria de quadrinhos mainstream dos EUA. O autor buscava algo novo para contar em um quadrinho, algo que fugisse dos super-heróis que ele vinha escrevendo. Foi aí que ele conheceu o artista Oscar Zárate, que lhe propôs a seguinte ideia para uma história: Um homem sendo perseguido por uma criança.

Com esta premissa simples Moore construiu uma história que fala muito sobre a natureza humana, ao mesmo tempo em que inseriu muito de sua própria trajetória, trazendo certo aspecto auto-biográfico à obra. Há também diversas metáforas e brincadeiras narrativas ao longo da HQ, muito devido às intervenções de Zárate no roteiro.

Um Pequeno Assassinato narra a história de Timothy Hole, um renomado publicitário que têm a difícil missão de elaborar uma campanha de venda de refrigerantes na Rússia pós Guerra Fria. Com o passar da história vemos que Timothy é uma pessoa incapaz de enfrentar seus erros do passado e vê sua realidade ser abalada quando um deles retorna para assombrá-lo.

Como mencionei antes, a obra é repleta de metáforas. O pequeno assassinato do título é algo que vai muito além do ato como o conhecemos, pois Moore remete a seguinte questão: Quantos pequenos assassinatos temos que cometer para seguir em frente? O que sacrificamos enquanto estamos crescendo? Isso vale a pena? Reflexões extremamente contundentes.

É claro que essa não é a única questão que a obra levanta. Moore também faz um trabalho muito interessante ao questionar a confiabilidade das memórias, no quanto elas refletem a verdade. Nós nos lembramos do fato em si ou de nossa interpretação sobre o fato? O quanto do que você lembra realmente aconteceu da forma que você lembra? Algo que Neil Gaiman havia explorado em Violent Cases, mas que Moore aborda de forma mais visceral para refletir sobre o comportamento humano.

O trabalho narrativo de Moore também é muito interessante, bastante intrincado. Ao mesmo tempo em que acompanhamos os fatos passados da vida de Timothy para compreendê-lo melhor, acompanhamos a evolução do personagem e a sua perspectiva de futuro. No fim, as duas narrativas se encontram no mesmo ponto. Coisa de gênio.

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Moore revolucionou a indústria de quadrinhos.

É muito importante ressaltar o trabalho de Oscar Zárate pela construção do clima da obra. Sua arte e, principalmente, suas cores, são importantíssimos para transmitir a mensagem que Moore queria passar. Aliás, houveram muitas intervenções de Zárate no roteiro que foram importantes na construção da história, algo que ficamos sabendo ao ler a entrevista dos autores no fim desta edição.

Zárate constrói a atmosfera quase onírica de Um Pequeno Assassinato.

Por mais que eu tenha achado a leitura sensacional, houveram alguns pontos que me incomodaram ao longo da narrativa. Um em específico me soou muito gratuito, além de muito pesado. Entendo seu propósito durante a obra, e principalmente seu relacionamento com o título, mas mesmo assim me pareceu desnecessário. Não revelarei o que foi para não dar spoiler, mas acredito que provocará a mesma sensação em você ao realizar a leitura.

Quanto à edição nacional, o pessoal do Pipoca e Nanquim está novamente de parabéns. Além dos excelentes extras, como a entrevista com os autores que mencionei, a HQ tem um acabamento impecável, com papel de excelente qualidade e um projeto gráfico que está em perfeita harmonia com a história. A capa dura com textura, algo difícil de explicar com palavras, demonstra que este é um trabalho que deve ser tratado como a grande obra que é. É incompreensível que uma HQ que foi premiada com o Eisner de melhor Graphic Novel em 1994 tenha ficado tanto tempo sem ser publicada por aqui. Ainda bem que estão surgindo novas editoras que estão atentas a materiais desse tipo.

Um Pequeno Assassinato merece a leitura e a releitura para que se possa absorver todas as suas camadas. Um quadrinho que te ajuda a evoluir como ser humano, algo difícil de ser encontrado em meio a tantas publicações de qualidade duvidosa que vemos por aí. Tomara que mais obras como essa sejam lançadas em nosso país.

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Ficha técnica

Editora : Pipoca e Nanquim
Ano de lançamento: 2017
Páginas: 112
Preço: R$ 54,90

 

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Lucas Araújo

Programador, estudante de TI e co-fundador do Justiça Geek. Fanático por quadrinhos, aficionado por filmes e séries, leitor faminto, gamer esporádico e músico (muito) frustrado. Gosta de falar sobre tudo isso em seu tempo livre(ou até mesmo quando não está tão livre...), debatendo questões essenciais para a humanidade como quem vence um crossover entre super- heróis, qual é seu escritor favorito e se um filme foi bem feito.

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