Eu já comentei por aqui o quanto sou fascinado por histórias que se passam no Japão feudal, principalmente pela figura do Samurai, seja pelo seu senso de honra, sua filosofia ou pelas incríveis batalhas travadas entre esses nobres guerreiros. Mesmo já tendo consumido diversas obras que abordam essas figuras históricas, sempre é possível aprender coisas novas sobre esse período da história e sobre como os ensinamentos da espada podiam ser utilizados de diversas formas diferentes. É isso que encontramos em O Preço da Desonra: Kubidai Hikiukenin, quadrinho escrito e desenhado por Hiroshi Hirata.
Neste trabalho, Hirata conta a história dos Kubidai Hikiukenin, Bushis (guerreiros honrados que seguiam o caminho da espada) que tinham a missão de cobrar promissórias de vida. Essas promissórias eram comuns em períodos de guerra, nas quais soldados derrotados pagavam por suas vidas prometendo quantias de dinheiro, muitas vezes absurdas, aos vencedores através de um documento assinado com seu próprio sangue. Esse documento tinha validade indeterminada, sendo possível cobrar a dívida a qualquer momento, seja por aquele que a obteve durante uma batalha, seja por suas descendentes, e poderia ser paga tanto com dinheiro quanto com a própria vida do devedor.
O quadrinho é protagonizado por Hanshiro, um hábil guerreiro que exerce a profissão de Kubidai Hikiukenin. Durante seis contos, acompanharemos a jornada de Hanshiro indo cobrar as dívidas de seus contratantes e enfrentando diversas situações, sendo que, em algumas delas, somente sua habilidade com a espada não será o suficiente para garantir o pagamento da dívida. Ele terá que usar sua inteligência, criar estratégias e utilizar o diálogo para que seu trabalho seja concluído.
Aliás, pode parecer que esse trabalho fosse de alguma forma desonroso, mas muito pelo contrário. Apenas Bushis muito honrados podiam exercer essa atividade, já que era um grande símbolo de status perante à sociedade da época. Aliás, cabe aqui uma breve explicação do porque estou usando frequentemente o termo Bushi no texto e não Samurai. Bushis, como mencionei anteriormente, eram guerreiros honrados que seguiam o caminho da espada, utilizando seus conhecimentos para exercerem funções diversas. Aqueles que se associavam a um senhor, tornando-se parte de seu exército, eram os chamados Samurais. Os samurais que perdiam o seu mestre e, dessa forma, sua renda, eram os chamados Ronins, guerreiros considerados desonrados que vagavam pelo Japão tentando sobreviver.
Bom, voltando ao quadrinho, o trabalho de Hiroshi Hirata é bastante primoroso. É visível todo o cuidado que ele teve ao construir as tramas, tendo feito uma profunda pesquisa sobre o período abordado e a figura do Kubidai Hikiukenin. Hirata sabe como empolgar o leitor com combates sensacionais, assim como emocioná-lo com as situações vividas pelas famílias daqueles que deviam quantias absurdas de dinheiro e não tinham como pagá-las. Ele também é hábil em demonstrar como a figura do samurai pode ser muito diferente daquela idealizada no ocidente, dos guerreiros puros e honrados, já que, em muitos momentos, essas figuras podiam representar um aspecto muito humano ao sentirem medo ou a realizarem verdadeiras barbaridades apenas por estarem em uma suposta classe superior na sociedade.
Além da precisão histórica e de histórias que prendem o leitor por diversos motivos, Hirata apresenta um traço belíssimo, de narrativa que transita muito bem entre o ágil e o contemplativo. Há diversos quadros que poderiam ser expostos facilmente em galerias de arte, tamanha a beleza do traço. O cara é um verdadeiro gênio.
O trabalho feito pela editora Pipoca e Nanquim é sempre bastante competente, com um acabamento gráfico primoroso que envolve papel lux cream de ótima qualidade e sobrecapa, mas dessa vez merece elogios por trazer este gigante do quadrinho japonês que inexplicavelmente nunca havia sido publicado por aqui, embora publique quadrinhos desde os anos 1950. Além disso, fez um trabalho interessantíssimo se tratando de extras que complementam a obra, como uma entrevista sensacional publicada no site da editora. Nela, Hirata detalha seu processo criativo, conta um pouco sobre sua trajetória na indústria de mangás, sobre seu trabalho como calígrafo (tendo criado a icônica caligrafia da primeira página de Akira) e sobre sua vida. Ele com certeza é uma figura bastante singular e divertida, recomendo a leitura da entrevista.
Com o Preço da Desonra: Kubidai Hikiukenin, o melhor quadrinho que li ano passado, Hirata se tornou um dos meus autores favoritos. Estou ansioso para ler mais trabalhos dele, que já estão garantidos pela editora Pipoca e Nanquim graças ao enorme sucesso de vendas deste primeiro lançamento. Leitura indispensável para qualquer apreciador de quadrinhos.
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Ficha técnica
Editora : Pipoca e Nanquim
Ano de lançamento: 2019
Páginas: 396
Preço: R$ 59,90
Lucas Araújo
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