Particularmente, acho muito interessante quando um autor aborda um personagem em diversos períodos do tempo, desde o início de sua trajetória até o fim dela. Nos quadrinhos alguns dos casos mais famosos desse tipo de abordagem são o Batman de Frank Miller (com Ano Um e Cavaleiro das Trevas, a minissérie Gerações concebida por John Byrne, que buscava mostrar toda a trajetória de Superman e Batman, e Mark Waid, que abordou o Superman em sua origem com Legado das Estrelas e o fim de sua carreira com Reino do Amanhã. Enrique Sánchez Abulí fez algo muito parecido em Torpedo 1972, no qual ele traz de volta Luca Torelli, o assassino de aluguel conhecido como Torpedo, quase 40 anos após seu auge na Nova York dos anos 30, acompanhado dessa vez de Eduardo Risso na arte.
Em Torpedo 1972 vemos o que aconteceu com Luca Torelli após seus anos dourados, quando era um renomado assassino de aluguel. Todo o seu dinheiro se foi, seu corpo definhou no passar dos anos, sendo acometido pelo mau de Parkinson em sua mão esquerda, mas ainda vive na companhia de seu leal parceiro Rascal, que também sentiu o peso dos aos e agora é um alcoólatra que vive de contar histórias sobre os velhos tempos. Quando Torpedo é convidado pra uma entrevista para comentar sobre suas atividades ilícitas os anos 30, acaba sendo enganado pelo jornalista e se vê atormentado por fantasmas do passado que estão em busca de vingança. O velho assassino terá que por mais uma vez o gatilho à prova e mostrar que o tempo ainda não acabou com sua maior especialidade.
Abulí continua utilizando muito humor e ironia na construção de suas tramas, sendo muito hábil em apresentar seu personagem para novas audiências, mas não esquecendo daqueles que já acompanharam suas histórias anteriores, inserindo referências que funcionam como verdadeiras piscadelas ao leitor. O autor sabe muito bem como conduzir a trama, inserindo ação em momentos precisos para segurar a atenção do leitor e para mostrar que Torpedo ainda pode ser muito perigoso. Entretanto, volto a fazer a mesma crítica que fiz em meu texto sobre o primeiro volume de Torpedo 1936, sobre a banal utilização do estupro na história. Entendo que isso serve para mostrar o quão perverso é seu protagonista, mas isso já havia ficado claro em diversos outros atos hediondos realizados pelo personagem.
Eduardo Risso foi uma excelente escolha para ilustrar a história, já que seu traço remete ao de Jordi Bernet, ainda que tenha sua própria personalidade e a utilização de cores para diferenciá-lo do trabalho de Bernet. Risso utiliza uma narrativa muito mais solta do que a que vemos em Torpedo 1936, o que ajuda a dar mais ritmo à história e sensação de que essa trama realmente se passa em uma época diferente.
Essa é a primeira publicação da editora JBraga Comunição e posso afirmar que eles fizeram uma ótima estreia. Em capa dura e papel offset de boa qualidade, a publicação tem bom tratamento editorial, com tradução e revisão competentes. Além da história em si, há um prefácio de Abulí que ajuda a dar contexto para novos leitores e extras que envolvem um conto protagonizado por Torpedo escrito pelo autor e alguns rascunhos de Risso. Como único ponto de atenção, eu recomendaria que a editora traduzisse algumas placas e manchetes de jornal que são importantes para a história. Parece algo pequeno, mas que pode impactar o entendimento de algumas cenas para leitores menos atentos.
Torpedo 1972 é um ótimo quadrinho para aqueles que procuram uma história descompromissada e cheia de ação. Um belo complemento para quem leu Torpedo 1936 e uma boa porta de entrada para conhecer o trabalho de Abulí. Leia e divirta-se.
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Ficha técnica
Editora: JBraga Comunicação
Tradução: José Braga
Ano de lançamento: 2020
Páginas: 68
Preço: R$ 59,90
Lucas Araújo
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