Desde que li o excepcional O Relatório de Brodeck fui impactado com o trabalho de Manu Larcenet, quadrinista francês multipremiado que estreou no mercado brasileiro com esse drama de guerra visceral pelo qual é impossível passar indiferente ao terminar a leitura. Felizmente a editora Pipoca e Nanquim traz mais um trabalho do autor, O Combate Cotidiano (com cores de seu irmão, Patrice Larcenet), em que conhecemos uma nova faceta de seu trabalho.
O quadrinho, vencedor do prêmio de Melhor Álbum no Festival de Angoulême de 2004 e adaptado para o cinema em 2015, narra a história de Marco, um fotógrafo de guerra que, cansado dos horrores que testemunhou, decide se afastar da cidade grande e buscar paz no campo. Após deixar seu terapeuta com quem se consultou durante anos para tratar ansiedade, Marco encontra companhia em Adolf, um gato temperamental,e explora relações complexas com seu irmão caçula, pais idosos, uma veterinária e amigos de um estaleiro. O enredo delicadamente entrelaça temas de trauma, amadurecimento, solidão e auto aceitação, oferecendo uma reflexão profunda sobre a natureza humana.
Impressiona a capacidade de Larcenet em abordar os mais diversos temas ao longo da história de forma muito competente, como política, relações entre pais e filhos e entre irmãos, quais são nossas raízes, como encontramos o amor, entre outras coisas. As relações humanas ditam o ritmo da trama e trazem reflexões ao leitor, algumas delas muito próximas do que vivemos nos últimos tempos em nosso país. Um exemplo é quando Marco descobre que um antigo amigo votou em um partido de extrema direita nas eleições, algo que acredito que muitos de nós passamos em 2022, e tem que aprender a como lidar com isso e qual será o impacto em sua vida. Há muito do próprio autor na trama, trazendo um certo aspecto autobiográfico, seja na relação com o irmão, seja na relação com a arte.
Outro ponto de atenção com relação ao roteiro é a forma como o autor sabe equilibrar momentos muito dramáticos com outros bem humorados, o que evita com que a trama fique muito maçante. O ritmo é muito bem cadenciado, os diálogos muito bem escritos, realmente parecem pessoas falando, algo em que muitos escritores perdem a mão, e há frases que marcam para toda vida (como, por exemplo, quando em uma emocionante conversa de Marco com sua mãe ela diz “parecemos muito maiores vivos do que mortos”, entre diversas outras sobre as belezas da vida e relações com a fotografia). Larcenet também sabe como inserir ótimos ganchos ao final de cada capítulo, o que sempre instiga o leitor a continuar na sequência da história.
Com relação à arte, Larcenet se mostra muito versátil pois aqui apresenta um estilo cartunesco que contrasta com o que vimos em O Relatório de Brodeck, que tinha uma abordagem mais realista e carregada no nanquim, e também com o teor da trama. Entretanto, ele também apresenta o estilo realista nos momentos em que mostra as fotos tiradas por Marco e nos quais o protagonista exibe alguns de seus mais íntimos pensamentos, o que mostra que é tudo pensado, nada é jogado ao longo da obra. O trabalho de cores também é muito competente, alternando as tonalidades conforme o clima da história.
A publicação da Pipoca e Nanquim possui capa dura, papel offset e formato grande, sem extras, com exceção de uma biografia muito completa do autor. A editora merece os parabéns por ter apresentado esse autor aos leitores brasileiros e por continuar apostando em seus trabalhos.
Manu Larcenet é um dos mais talentosos autores em atividade, seus trabalhos transformam o leitor, fazendo com que ele reflita sobre a vida de forma muito aprofundada e tenha novas perspectivas. O Combate Cotidiano é uma das melhores publicações do ano, sem sombra de dúvidas.
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Ficha Técnica
Editora: Pipoca e Nanquim
Tradução: Fernando Paz
Ano de lançamento: 2023
Páginas: 252
Preço: R$219,90
Lucas Araújo
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