Acredito que todo mundo já pensou em como sua vida poderia ser diferente se tivesse feito certas escolhas ou até mesmo sentiu uma certa vontade de voltar a um período específico para agir de outra forma em uma determinada situação. Talvez, também, sentir vontade de voltar para a infância/adolescência pois era uma época com menos preocupações. Jiro Taniguchi faz uma mescla desses pensamentos em Um Bairro Distante, quadrinho escrito e desenhado por ele que foi publicado por aqui pela editora Pipoca & Nanquim.
Originalmente publicado entre 1998 e 1999 na revista Big Comic da editora Shogakukan, Um Bairro Distante apresenta a história de Hiroshi Nakahara, um executivo de meia idade que certo dia faz uma viagem de negócios a Quioto, mas, sem querer, pega o trem expresso na direção contrária e vai parar em sua terra natal, Tottori. Enquanto espera o próximo trem de volta a Tóquio, onde atualmente mora, ele aproveita para visitar o túmulo de sua mãe, onde perde a consciência. Ao despertar, Nakahara está 34 anos no passado, em pleno início da década de 1960! No corpo e na época dos seus 14 anos de idade, mas com a cabeça de 48, ele interage com sua família e colegas de escola sob uma nova perspectiva, ora matando a saudade de tudo, ora sentindo-se como um estranho no próprio ninho. Mas o ponto que mais lhe traz ansiedade é que esse é o exato ano que seu pai saiu de casa e nunca mais voltou.
Os trabalhos de Taniguchi são marcados por sua sensibilidade e calma, trazendo uma perspectiva de contemplação sobre o ambiente ao nosso redor e às relações humanas em seus diferentes níveis. Aqui não é muito diferente, já que através da jornada de Hiroshi ele apresenta uma reflexão ao leitor ao contrastar a inocência e sentimento de descoberta da adolescência com o cinismo da vida adulta e nos fazendo pensar sobre como agiríamos se estivéssemos na mesma situação do personagem, se tentaríamos mudar alguma coisa, fazer certas escolhas de forma diferente ou se deixamos os acontecimentos seguirem seu fluxo natural.
A construção do protagonista é muito interessante, ao explorar a relação dele com seu pai ele também passa a refletir sobre a sua relação com sua esposa e suas filhas, já que ele inicialmente não consegue compreender como um homem que aparentemente era completamente feliz abandona sua família sem nenhuma explicação, mas percebe que ele e seu pai são muito parecidos com relação às suas inseguranças e que, por mais doloroso que seja, há sim uma explicação para o que ocorreu. Impressiona como Taniguchi consegue emocionar o leitor de forma muito aguda durante a história, mas ao final dela transmite um sentimento de paz que, pelo menos até o momento em minha trajetória como leitor, não vi nenhum outro autor conseguir fazer.
E essa sensação de paz está diretamente relacionada ao estilo artístico do autor, um traço limpo, repleto de detalhes que transforma as paisagens em personagens da história, visto que há vários quadros em que apenas elas aparecem, como uma espécie de respiro e contemplação na leitura. Taniguchi quer que o leitor se sinta em Tottori, que aliás é sua terra natal e pela qual ele nutre muito carinho e ambienta a maior parte de suas obras(verificar informação), e sinta como é agradável e calmo viver naquele lugar. Narrativamente ele faz com que a leitura seja cadenciada, sem grandes arrojos narrativos (os quais ele já mostrou ser capaz de fazer em As Crônicas da Era do Gelo), mantendo o estilo característico de seus trabalhos mais famosos.
O quadrinho mantém a qualidade gráfica de outros mangás lançados pela editora Pipoca & Nanquim, com capa cartonada, sobrecapa e papel pólen de boa gramatura. Com relação à extras, há uma nota da organização que gere os direitos das obras de Taniguchi contextualizando alguns aspectos da obra e um texto muito elucidativo da tradutora Drik Sada em que ela explica sobre o dialeto de Tottori, um elemento importante das obras de Taniguchi que demonstra como o lugar que ele nasceu foi determinante para sua formação como autor.
Não é apenas este resenhista que considera esta obra um verdadeiro primor, visto que vários críticos consideram esse o melhor trabalho de Taniguchi (não é o meu caso, ainda acho O Homem Que Passeia sua obra prima) e também recebeu vários prêmios, como prêmio de excelência do 3º Japan Media Arts Festival, em 1999, na categoria Mangá, e o Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Angoulême, em 2003, na França, além de ter sido adaptada para o cinema 2010, pelo diretor belga Sam Garbarski.
Um Bairro Distante é um quadrinho belo e sensível, aquele tipo de obra que te deixa pensando por dias depois da leitura e que é mais um exemplo da excelência de Jiro Taniguchi como autor. Acho impossível que ao ter contato com seu trabalho ele não se torne um de seus quadrinistas favoritos, como aconteceu comigo. Leia e se emocione.
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Ficha Técnica
Editora: Pipoca & Nanquim
Tradução: Drik Sada
Ano de lançamento: 2022
Páginas: 412
Preço: R$82,90
Lucas Araújo
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