Desde A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, invasões alienígenas são tema recorrente em obras de ficção científica, com diversas abordagens. Em A Entrevista, o quadrinista italiano Manuele Fior utiliza esse tema de forma tangencial para contar uma história sobre envelhecimento, mudanças sociais e conflito de gerações.
A história do quadrinho se passa na Itália no ano de 2048 e é protagonizada por Raniero, um psicólogo de meia idade que certo dia recebe a jovem Dora, adepta de um movimento baseado na não exclusividade emocional e sexual, como sua paciente em seu consultório. Após ambos passarem pela experiência de avistar sinais geométricos luminosos no céu, eles embarcam em uma jornada de descoberta que envolverá telepatia, contatos extraterrestres, tecnologias e o conflito entre gerações que divergem, entre outros assuntos, sobre a forma com as quais pessoas se relacionam.
Manuele Fior ganhou fama por seu trabalho anterior, Cinco Mil Quilometros por Segundo, pelo qual recebeu diversos prêmios, como o renomado Prêmio do Festival de Angoulême. Embora esse trabalho já tivesse certos traços de ficção científica, em A Entrevista o autor se aprofunda nesse gênero, utilizando o que há de melhor nele, ou seja, uma extrapolação de conceitos que serve para discussão sobre temas muito atuais para nossa sociedade. Embora apresente certa influência de autores como Arthur C. Clarke, Fior foge um pouco do que é comum em histórias de invasão alienígena, já que esse não é o foco da história, mas sim o relacionamento entre os protagonistas e os debates que ele levanta sobre como funcionam os relacionamentos em nossa sociedade. O único problema com relação ao roteiro é a forma abrupta com a qual o autor encerra a história, o que pode deixar o leitor um pouco confuso.
Com relação a arte, Fior também se distancia do que foi feito em seu trabalho anterior. Ele abandona as cores e se utilizando da arte preto e branco constrói um clima desolador com um traço que flerta muito com o abstrato, embora se apegue ao realismo em algumas passagens. Impressiona a forma com a qual o autor consegue apenas utilizando os tons das duas cores utilizadas criar uma ambientação que remete à desesperança, mas também consegue trazer certa paz em alguns momentos. É o contraste que não fica somente nas cores, mas também no clima da história.
O quadrinho foi lançado por aqui pela editora Mino, em uma publicação no formato livro, capa cartão e papel offset, sem extras. O tratamento editorial é competente e o único problema é que a publicação está esgotada no momento, o que torna um pouco mais difícil encontrá-la à venda. Espero que a editora disponibilize uma nova tiragem.
A Entrevista não é brilhante como Cinco Mil Quilômetros Por Segundo, mas demonstra o talento de Manuele Fior como narrador gráfico e mostra que o autor se arrisca nos mais diversos tipos de trama. Ele vem sendo publicado com certa frequência por aqui, já que as editoras brasileiras têm muito apreço por seu trabalho. Se você puder ler uma dessas obras, não perca a oportunidade, é uma experiência ímpar.
Ficha técnica
Editora: Mino
Tradução: Micheli Vartuli
Ano de lançamento: 2018
Páginas: 176
Preço: R$64,90
Lucas Araújo
Latest posts by Lucas Araújo (see all)
- As Muitas Mortes de Laila Starr – A vida sob a perspectiva da morte! - 4 de novembro de 2024
- Namor – As Profundezas – E se Lovecraft escrevesse um quadrinho da Marvel? - 18 de outubro de 2024
- A Noite dos Palhaços Mudos – O brilhantismo de Laerte! - 4 de outubro de 2024