Mesmo após tantos anos lendo quadrinhos ainda me impressiono e fico fascinado com as infinitas possibilidades que essa mídia proporciona, principalmente quando utilizada por autores talentosos que estão dispostos a explorar cada recurso disponível utilizando essa linguagem. Esse é o caso de Asterios Polyp, quadrinho escrito e desenhado por David Mazzucchelli e publicado por aqui pela Companhia das Letras em seu selo Quadrinhos na Cia.
Nessa história acompanhamos Asterios, um renomado arquiteto de cinquenta anos reconhecido exclusivamente por seu trabalho teórico na área. Arrogante, mulherengo, machista e misógino, ele pensa apenas em si mesmo e está sempre procurando ser o foco das atenções, não importa o ambiente em que esteja. Até que um dia um incêndio destrói sua casa e toda sua perspectiva de vida é alterada, fazendo com que Asterios decida viajar ao interior dos Estados Unidos e chegar até onde o dinheiro que lhe sobrou permitir. Lá ele encontra uma nova família, amigos e repensa tudo que aconteceu até ali. O mais curioso é que sua história é narrada por seu irmão gêmeo natimorto, Ignazio.
Talvez essa breve sinopse não dê ideia da magnitude da obra, mas não tenha dúvidas de que ao ler esse quadrinho você estará apreciando uma das coisas mais impactantes e exuberantes feitas nessa mídia. David Mazzucchelli se coloca como um dos grandes mestres dos quadrinhos ao, de forma meio sarcástica e irônica, narrar a história desse personagem que à primeira vista parece desprezível, mas que aos poucos vai encantando o leitor conforme o autor vai e volta no tempo, de maneira bastante fluida, para elaborar um ótimo trabalho de construção não só do protagonista mas também de vários dos coadjuvantes, que também se destacam. Tudo se torna ainda mais curioso pela decisão de utilizar o irmão natimorto do protagonista como narrador da história, proporcionando algumas situações bastante inusitadas ao longo da trama. É impressionante como o autor vai inserindo pequenos elementos na trama que constroem um final surpreendente e impactante, utilizando de maneira ímpar todos os recursos possíveis que os quadrinhos proporcionam.
Falando nesses recursos, posso estar cometendo uma hipérbole ao fazer esse tipo de comparação, mas insisto mesmo assim: Em Asterios Polyp, David Mazzucchelli se comporta como uma espécie de Will Eisner 2.0. Ele utiliza muitos recursos já apresentados por esse grande mestre dos quadrinhos, mas também os moderniza e apresenta novas possibilidades,brincando com espelhamentos, mudança de traços, uso de cores, disposição de quadros, arquitetura, balonamento, fontes dos balões etc. É o tipo de trabalho que ao final da leitura muda sua percepção sobre quadrinhos e narrativa gráfica.
Interessante notar também a grande versatilidade de Mazzucchelli com relação ao traço, que se distingue bastante de seus trabalhos mais famosos que envolviam os super-heróis, como Batman – Ano Um e Demolidor – A Queda de Murdock (que já eram excelentes), e se aproxima do que já era visto em Cidade de Vidro, quadrinho que ele fez ao lado de Paul Karasik adaptando um livro de Paul Auster, mas funcionando como uma espécie de passo à frente, não só com relação ao traço mas também narrativamente falando. Coisa de gênio, não há outra coisa a se dizer.
A publicação da Companhia das Letras possui capa cartonada e papel reciclado que lembra muito o offset, sem extras, um ponto que considero negativo, pois gostaria muito que tivessem mais detalhes sobre a concepção da obra e o processo criativo do autor para tentar entender como ele chegou em certas soluções. A obra ficou muito tempo fora de catálogo, segundo boatos isso se deve ao fato de que o autor é muito meticuloso com a publicação, tendo acompanhado pessoalmente a primeira tiragem da obra por aqui há mais de 10 anos, mas felizmente a editora fez a republicação no ano passado, deixando a publicação amplamente disponível para o público brasileiro atualmente.
Não há muito mais a se dizer sobre Asterios Polyp que não seja: leia imediatamente. É uma obra singular, leitura indispensável que mostra o poder dos quadrinhos e que muda a percepção do leitor sob vários aspectos. David Mazzucchelli está no panteão dos grandes autores e é essencial que você conheça seu trabalho.
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Ficha técnica
Editora: Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia)
Tradução: Daniel Pellizzari
Ano de lançamento: 2011
Páginas: 344
Preço: R$159,90
Lucas Araújo
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