Muito se fala sobre a fórmula Marvel. Fazer filmes divertidos, engraçados e que possam ser vistos por toda a família parece uma espécie de meta para a casa das ideias. Há aqueles que criticam esta fórmula, dizendo que a Marvel deveria produzir filmes mais sérios enquanto outros defendem a fórmula, que está trazendo muitos sucessos para a casa do Homem-Aranha. O recém lançado Doutor Estranho pode ser comparado ao experimento de Schrödinger, pois ao mesmo tempo está e não está inserido nesta fórmula.
O filme conta a história do Doutor Stephen Strange, um renomado neurocirurgião rico, arrogante e cheio de si. Após sofrer um grave acidente de carro, Strange fica impossibilitado de mexer as mãos com a mesma destreza de antes e tenta encontrar um modo de se recuperar. Sua busca por uma cura o leva ao Nepal em busca de um eremita (na verdade umA eremita) que, segundo os boatos, pode curá-lo através de meios não convencionais.
Doutor Estranho é o primeiro filme do UCM (Universo Cinematográfico Marvel) que explora abertamente a magia e é preciso dizer que ele cumpre muito bem seu papel. Tanto em texto quanto, principalmente, em visual o filme envereda por caminhos que nenhum filme da Marvel tinha ousado trilhar. Questões como a morte e o pós vida são exploradas de maneira aprofundada além de o filme evocar muito da lisergia dos quadrinhos desenhados por Steve Ditko em seu visual.
Muito disso é mérito do diretor Scott Derrickson, muito acostumado a fazer filmes de terror como O Exorcismo de Emily Rose e A Entidade, e que também assina o roteiro. Derrickson traz um pouco dos aspectos de um filme de terror em algumas cenas ao mesmo tempo que brinca com o visual nas cenas em que a magia está mais presente. Ele consegue mesclar muito bem experimentações visuais bastante inventivas com a já mencionada lisergia das histórias em quadrinhos. Claro que o trabalho de Ben Davis, diretor de fotografia, e do excelente elenco ajudam a transmitir o clima místico que o filme se propõe.
Por falar em elenco, este é um dos melhores de todas as produções Marvel. Benedict Cumberbatch apresenta um excelente trabalho como Stephen Strange, esbanjando carisma e fazendo você se importar com o personagem mesmo ele agindo de forma repulsiva em alguns momentos. Estou ansioso para ver sua interação com os personagens dos outros filmes.
Tilda Swinton apresenta a melhor atuação do filme em seu papel como Anciã. Uma figura sábia, serena, reflexiva e que funciona muito bem como mestre de Strange. Você até esquece a polêmica devido a troca de etnia da personagem, mesmo que não haja qualquer explicação sobre uma mestre suprema das artes místicas que vive no Nepal há séculos ser ocidental. Interessante também que a personagem apresenta alguns dilemas morais que a fazem fugir do padrão “mestre bonzinho” que Holywood tanto adora. Uma das cenas mais emocionantes do filme é guiada por ela.
O Wong interpretado por Benedict Wong (que ironia não?) se difere um pouco de sua contraparte nos quadrinhos, já que aqui ele não é apenas um serviçal do Doutor Estranho que possui conhecimentos em artes marciais. No filme ele também possui conhecimentos nas artes místicas, até mais que Strange, e é protetor de um dos Sanctums que defendem a terra contra ameaças místicas.
Chiwetel Ejiofor é um ótimo ator (você deve lembrar dele em 12 Anos de Escravidão) e apresenta um Barão Mordo muito interessante. O personagem é bem trabalhado e apresenta uma revolta sincera quando tudo em que ele acredita é desfeito. Ele pode vir a ser um grande vilão para o Doutor Estranho, principalmente porque o filme mostra que ele tem motivações para tanto.
E por falar em vilão, temos um dos pontos baixos do filme na figura de Kaelicius interpretado por Mads Mikelsen. O ator não tem culpa, pois apresenta um trabalho competente, porém o personagem é raso e acaba sendo mais um exemplo de vilão fraco em filmes da Marvel. Talvez se tivesse sido mais explorado poderia até ter sido um bom vilão e não somente um fantoche de uma figura maior. Outra personagem que ficou apagada na trama é a enfermeira Christine Palmer, interpretada por Rachel McAdams, que serve apenas para ser o par amoroso de Strange e reagir ao que acontece em sua frente. Dois exemplos de desperdício de atores.
Já que comecei a falar dos pontos baixos do filme, é importante explicar uma coisa. Lembra que fiz a comparação com o experimento de Schrödinger e disse que o filme estava e ao mesmo tempo não estava inserido dentro da fórmula Marvel? Pois bem, ao mesmo tempo que o filme trata questões existencialistas de maneira profunda e insere aspectos visuais jamais vistos no UCM, também abusa de certos aspectos inerentes à tal fórmula. Há piadas em quantidade exagerada no filme. Sério, gosto de filmes divertidos e engraçados mas em Doutor Estranho algumas piadas são bem mal colocadas. Há cenas bem sérias que são seguidas de piadas ao estilo trapalhões, que acabam tirando um pouco do peso das cenas e das reflexões que elas propõem. Não é algo que estraga a experiência com o filme, porém é um ponto que deve ser repensado nas prováveis sequências.
Doutor Estranho é um filme que cumpre seu papel em inserir a magia no Universo Marvel dos cinemas. Chega a superar expectativas e traz muitas referências a diversas fases dos quadrinhos do personagem, tanto clássicas como mais atuais. Uma excelente adaptação que fecha muito bem a temporada de filmes de super-heróis de 2016. Que venha 2017!
P.S.: Não saia do cinema antes do fim dos créditos. Você já deve estar acostumado às cenas pós créditos nos filmes da Marvel, mas é sempre bom avisar né? 😀
Nota: 8,5/10
Ficha Técnica
Duração: 115minutos
Estúdio: Marvel Studios
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: C. Robert Cargill, Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Chiwetel Ejiofor, Rachel McAdams, Benedict Wong, Michael Stuhlbarg, Benjamin Bratt, Mads Mikkelsen, Tilda Swinton.
Lucas Araújo
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