Quadrinhos mudos sempre propiciam a oportunidade de ver como um autor consegue se virar quando tudo que ele tem para contar uma história é apenas sua narrativa. Quando grandes autores assumem esse desafio temos obras que se tornam grandes marcos desse tipo de história, que é o que acontece em O Sistema, obra de Peter Kuper.
No quadrinho, o autor retrata o funcionamento de uma cidade, entrelaçando várias tramas, expondo os desafios diários que as pessoas passam, a corrupção, o preconceito e o crime. Basicamente, o sistema que ele expõe pode ser resumido como a estrutura capitalista, o drama social urbano dos dias modernos.
Ao não utilizar diálogos, Peter Kuper faz com que o leitor participe da história imaginando-os. O apuro narrativo de seu trabalho é tão grande que não é necessário uma linha de texto para que você saiba exatamente o que está acontecendo. A forma com que ele conecta as tramas, não só se utilizando de um acontecimento, no caso uma eleição presidencial, mas também mudando o foco dos personagens nos quadros, às vezes com movimentos de câmera e em outros mesclando imagens, é sensacional.
Mas o talento de Kuper não se resume apenas à narrativa, mas também se estende ao traço. Ele mescla diversas técnicas que envolvem o uso de lápis, tinta spray, aquarela, colagem e bico de pena, que criam uma estética muito particular. É um estilo artístico que impacta e transforma cada página em uma espécie de quadro que poderia ser exposto em qualquer museu no mundo. Como disse Will Eisner, Peter Kuper extrapola os limites da mídia dos quadrinhos.
A história foi originalmente publicada pela Vertigo e foi uma das primeiras publicações do selo que fugiam do estigma “personagens menos conhecidos da DC em histórias adultas”, enveredando para algo mais autoral(aliás, ela inaugurou o subselo Vérité, que tinha inspiração no Cinéma vérité e buscava publicar histórias que fossem mais realistas) . O trabalho foi indicado ao prêmio Eisner na categoria Melhor Minissérie.
A edição da Monstra está ótima, com um formato maior, papel de boa qualidade, capa dura e paratextos que complementam muito bem a experiência de leitura (algo que sempre deve ser valorizado) . Há também uma sessão na qual é detalhado o processo criativo do autor para a concepção da obra. Encontrei apenas um pequeno erro de revisão, um “deicisão” num blurp de Howard Chaykin que fica antes dos extras, mas que não tem nenhum impacto na leitura.
Peter Kuper é um autor único, seus trabalhos são grandes experiências de leitura e é uma pena que não seja tão ovacionado por aqui quanto merece. Espero que essa publicação mude isso e que tenhamos ainda mais obras suas publicadas no Brasil. Os leitores vão agradecer.
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Ficha Técnica
Editora: Monstra
Ano de lançamento: 2023
Páginas: 120
Preço: R$140,00
Lucas Araújo
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