H. G. Wells escreveu um dos clássicos do horror: O Homem Invisível. O filme foi adaptado pela primeira vez em 1933 com Claude Rains vivendo o personagem-título, criando ali um “monstro” (estamos falando dos clássicos de monstro da Universal) icônico pelo seu figurino, pela sua voz e pelo terror que a invisibilidade (um poder que muitos de nós queremos ter) traz a sua vítima e as vítimas do mesmo. Depois de diversas adaptações ao longo do tempo, a premissa ressurge em 2020, tendo como base a história de Cecília (Elizabeth Moss), vítima de um relacionamento abusivo, que tem certeza que seu marido não morreu, apenas tornou-se invisível. E é a partir disso que o filme se desenvolve.
O mar bate violentamente nas pedras. Cecilia abre os olhos e sente o braço de seu namorado ao redor de seu corpo. Esse braço, um eterno símbolo da força masculina, aparecerá logo depois quebrando um vidro. Leigh Whannell, o diretor, opta por mostrar o seu antagonista apenas através de sombras antes dele se tornar invisível (o máximo que podemos ver com a luz é o braço). Os cenários mais ameaçadores (enquanto ele não se revela) são tomados por vidro, exaltando a transparência. E aí que o uso da razão de aspecto (2.39 : 1) ganha destaque, ampliando nosso campo de visão, nos fazendo imaginar onde ‘o homem invisível’ estaria.
Whannell, que já havia demonstrado talento em criação de clima em Upgrade, mostra isso mais uma vez ao criar planos longos e planos-sequências, além de movimentações artificiais de câmera. Detalhe: apesar do filme te manter preso na cadeira e tenso, ele utiliza a lente como uma testemunha e não como personagem, mantendo-a sempre firme. O diretor aborda relacionamento abusivo e um dos principais fatores vividos por mulheres, o gaslight (que fica ainda mais evidente na segunda parte do longa, onde os caminhos do horror se mostram mais presentes), de forma sufocante.
“Seriam execuções planejadas. A questão é: eles já sabem a esta altura da existência de um Homem Invisível. Pois este Homem Invisível, Kemp, precisa estabelecer agora um Reino do Terror.”
O Homem Invisível (H.G. Wells)
Este trecho do livro de Wells resume bem quem é o ‘homem invisível’ e o que ele faz com Cecília. O filme adapta para os dias atuais de forma brilhante o texto, sem perder alguns elementos essenciais do romance (além do mencionado trecho, a explicação óptica), mas criando sua própria atmosfera e mitologia com reviravoltas que conseguem prender. Mesmo que se alongue um pouco e a música soe exagerada em alguns momentos, o longa-metragem te leva para junto de Elizabeth Moss, que entra na lista de atrizes em filmes de gênero que não serão lembradas pela Academia. O filme é carregado por ela e seus olhares, suas incertezas e medos são sentidas não só pelas expressões de seu rosto, quando a câmera está em primeiro plano, mas também pela sua postura física.
“Ele não está morto. Eu só não consigo vê-lo” traz muito da personagem e da narrativa do filme que se encerra com uma rima visual ao início, exibindo a firmeza de Whannel na forma que comanda sua história.
Avaliação de Filme: 8.0/10
Montez Olivero
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