Oscar 2021: “Nomadland” será o grande vencedor da noite?

Saiba onde e quando assistir aos filmes indicados ao Oscar 2021; confira  lista - Zoeira - Diário do Nordeste
Frances McDormand em “Nomadland”

2020 foi um ano estranho (para não dizer outra palavra) para o cinema – seja instituição, seja produto. Alguns países, injetaram bilhões na indústria cinematográfica, enquanto outros, como o Brasil, pareceram ignorar completamente a cultura, com o fechamento da Cinemateca Brasileira e a consequente falta de preservação de diversas imagens que contribuem para o entendimento da História do Brasil. Com a pandemia do Coronavírus, as salas de cinema ao redor do mundo foram fechadas – e algumas, como o tradicional cinema ArcLight de Los Angeles, definitivamente. Como forma de gerar renda, os filmes passaram a ser lançados nos serviços de streaming.

Ao redor do mundo, grandes projetos foram lançados em festivais onlines, como A Metamorfose dos Pássaros, da portuguesa Catarina Vasconcelos; Days, de Tsai Ming-Liang; Lovers Rock, um filme da antologia Small Axe, criada por Steve McQueen; o documentário Collective (também indicado ao Oscar) sobre a corrupção no sistema de saúde romeno; o impressionante Quo Vadis, Aida?, da Bósnia e Herzegovina (também indicado ao Oscar de Filme Internacional – e o meu favorito dentre todos os nomeados) e Sertânia, do consagrado diretor brasileiro Geraldo Sarno. Sem grandes blockbusters sendo lançados, os filmes independentes ganharam uma plataforma de grande destaque. Depois de mudanças em suas regras, a Academia de Ciências Cinematográficas passou a exibir filmes que disputam a estatueta dourada em sua própria plataforma de streaming. Alguns projetos, ao longo de ano, foram se confirmando através da crítica e do público como franco favoritos.

Crítica | A Metamorfose dos Pássaros - Plano Crítico

CRÍTICA | 'Small Axe: Lovers Rock': experiência sensorial em trama irregular
“A Metamorfose dos Pássaros”, de Catarina Vasconcelos, e “Lovers Rock”, de Steve McQueen, respectivamente.

Nomadland, de Chloe Zhao (diretora do vindouro Os Eternos) é o arrasa-quarteirão do ano, levando quase tudo a que esteve indicado – e é quase certa sua vitória na noite do dia 25 de abril. Minari, protagonizado por Steven Yeun, foi outro filme querido pela temporada, contando a história de uma família coreana criando raízes nos Estados Unidos. A Netflix, por sua vez, chegou com duas grandes produções: Mank, do consagrado David Fincher e The Trial of the Chicago 7, do também celebrado roteirista Aaron Sorkin. A Amazon firmou-se na temporada com O Som do Silêncio, protagonizado por Riz Ahmed. Além desses, Bela Vingança, de Emerald Fennel, dividiu o público; Judas e o Messias Negro, longa de estreia de Shaka King, balançou público e crítica sendo lançado no final da temporada, enquanto Meu Pai, protagonizado por Anthony Hopkins, mesmo com uma péssima campanha, firmou-se com diversas indicações.

Nesse post, optei por escrever sobre os 4 melhores filmes indicados ao prêmio principal. Sobre Mank, você pode ler neste link. The Trial of the Chicago 7 é um filme fraquíssimo que se firma num texto fraco e numa direção que consegue ser mais automática que uma assistente virtual. Bela Vingança, cujo título original é Promising Young Woman, não passa da promessa, sendo extremamente equivocado em suas diversas escolhas estéticas. Meu Pai, por sua vez, é um filme que conta com grandes atuações e um excelente trabalho de montagem, sendo o melhor entre os citados neste parágrafo.

Mas vamos aos outros filmes – lembrando que há spoilers.

Nomadland, de Chloe Zhao

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O passeio pelo parque de trailers em “Nomadland”

Fern (Frances McDormand) perdeu sua casa, seu marido, amigos, vizinhos após uma tragédia. Sua face traz consigo uma melancolia que quase transforma-se em palavras se olharmos por muito tempo para seus olhos. O mundo que a cerca não tem outra cor, até aquele instante, que não seja azul. Em sua vanguarda, vai de acampamento em acampamento como uma nômade, encontrando ou reencontrando em cada deserto, um novo lar que se une a tantos outros que ela carrega consigo. Num final de tarde, num dos parques de trailers, ela caminha com o pôr-do-sol ao fundo.

A câmera comandada por Chloe Zhao acompanha esse andar, onde Fern vê pessoas reunidas em conversas, outras entrando ou saindo de seus trailers, algumas num grupo de exercícios ou andando de bicicleta. É uma caminhada que poderia se tornar “mais uma”, contudo a diretora transforma esse momento em um instante de reflexão, de busca por si mesmo e pelos outros, de questionamentos. Isso não ocorre apenas com a personagem, mas também conosco, espectadores. O andar de Fern pelas estradas e pelos parques de trailers não são passos qualquer, são passos de redescoberta de si mesmo.

Zhao tem a força dessa mulher em cada plano construído, mas também a força de diversas outras pessoas (não-atores) que surgem em cena. A câmera, em momento algum, deixa de buscar essas faces que contam histórias reais. Histórias de pessoas que sofrem com a falta de habitação e emprego. A diretora exerce em Nomadland aquela que considero a maior qualidade de quem comanda um set: ouvir. Quando ouvimos as histórias e dores de cada pessoa, unindo-se a de Fern, ouvimos um coração bater como um motor de uma van que nunca será largada.

O Som do Silêncio, de Darius Marder

Sound of Metal | Riz Ahmed é um baterista que começa a perder a audição no  trailer do filme - Cinema com Rapadura
Riz Ahmed na primeira cena de “O Som do Silêncio”

Um momento genuíno de barulho pode ser tão impactante quanto a introspecção silenciosa. Os pensamentos caminham pela linha tênue desse contraste sonoro, como se alguém mergulhasse no mar e, após ouvir os sons externos na superfície, não conseguisse ouvir mais nada a não ser o próprio silêncio. A câmera de Darius Marder em Sound of Metal é essa câmera-mergulho, que lentamente nos introduz ao rosto de seu protagonista e os sons que o cerca, para logo, num rompante, cortar para o silêncio profundo de uma manhã. Ela, a câmera-mergulho, sabe o exato momento de aproximar-se de Ruben (Riz Ahmed) e nos levar para seus pensamentos e sua audição e o momento de afastar-se para o mesmo efeito. É nesse vai e vem, como as ondas do mar, que o espectador exercita sua empatia, coloca-se no lugar do protagonista.

É através dessa naturalidade que o filme escapa das armadilhas, proporcionando a quem assiste uma experiência sensorial, onde o toque é quase possível pelos planos optados pela direção, onde a audição é constantemente estimulada, transformando o som nessa ferramenta de aproximação, tendo como principal exemplo os momentos em Paris. Discorro: No pré-festa, ainda tateando, podemos ouvir cada coisa como meros espectadores. Mas logo essa situação muda: quem assiste, agora, é convidado a mais um mergulho que entristece e angustia. Marder utiliza-se do mesmo movimento de câmera do início: lento, colocando os dedos na água para o mergulho final. E ele só é possível por causa do olhar de Riz Ahmed, que nos leva para dentro dele, de seus pensamentos, onde podemos escutar o seu silêncio mais barulhento e seu barulho mais silencioso.

O filme está disponível no Amazon Prime Video.

Minari, de Lee Isaac Chung

Minari": As dores e a beleza do pertencimento — ZINT
Steve Yeun protagoniza “Minari”, de Lee Isaac Chung

Ainda nos primeiros cinco minutos do longa-metragem, Monica (Han Ye‑ri) coloca um estetoscópio para escutar o coração de seu filho, que tem um sopro no órgão. Antes desse momento, vemos tudo com uma certa distância, com um aspecto de descoberta do espaço onde fincarão seus pés. Mas ali, no momento entre mãe e filho, acontece algo: David (Alan Kim), o garoto, pede para escutar o que Monica escutou. Ouvimos, junto ao garoto, o som do coração, alto e forte. Está estabelecida, nesse momento, a subjetividade da história. Inspirado na infância do diretor, Lee Isaac Chung, Minari traz consigo esse coração batendo forte em cada uma das cenas, observando com ternura todos os personagens, seus desejos e complexidades. Os olhares de David encontram-se em cada espaço, mesmo que ele não esteja presente.

Todo o projeto soa como uma linda profusão de memórias que fluem como na nascente de um rio, transformando a montagem numa aliada, iniciando uma cena ainda no fim da anterior. A imagem se esvai aos poucos enquanto vozes e ruídos já podem ser ouvidos, sempre com delicadeza e nunca pressa. Lee Isaac Chung também se utiliza das forças naturais para intensificar os sentimentos dessa família (a chuva, o vento, os ruídos) que luta com o pouco de dinheiro que tem para estabelecer-se em um país que vende o sonho americano como sua principal base. Com o coração batendo alto, a família Yi nasce e renasce nas gramas que um dia foram o sonho de seu patriarca. Ternura resume Minari.

Judas e o Messias Negro, de Shaka King

Judas And The Black Messiah' Script: Read Screenplay From Shaka King, Will  Berson – Deadline
Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield protagonizam “Judas e o Messias Negro”

É dito por O’Neil (Lakeith Stanfield), ainda no início, que “o distintivo é mais assustador que uma arma”. Essa linha do roteiro de Shaka King e Will Berson implica não só no poderio da polícia que, atrás do distintivo, deposita todo o seu ódio ao negro, mas também no do FBI, com os programas comandados por J. Edgar Hoover para desestabilizar o movimento negro e evitar o surgimento de um “messias” que pudesse unificá-los. Fred Hampton foi – e continua sendo – um importante nome do movimento negro pela igualdade, pelo socialismo. Assim que o vemos pela primeira vez, ele dispensa o microfone. É no meio do povo, a quem ele brada estar “alucinado por”, que sua voz se faz ouvir. Hampton nunca precisou se esconder atrás de nada, porque ele era exatamente aquilo que ele representava. E Shaka King consegue transmitir, em boa parte do filme, essa energia através de sua câmera.

A lente busca o rosto de Hampton e o observa com admiração, assim como encontra em O’Neil a dubiedade na forma que o infiltrado é revelado na sala de aula ou na saída de carro após falar de um “dedo-duro”. Mas duas cenas específicas demonstram bem a união entre direção e atuação: a primeira, a cena do discurso após sair da prisão, onde King aproxima sua câmera do rosto de Stanfield que grita com força “right on!”, até que seus olhos mudam completamente ao fitar o policial vivido por Jesse Plemons; a segunda, no momento da escuta, quando a expressão de Lakeith Stanfield, irrepreensível no personagem, muda rapidamente, diante de nossos olhos. Nesses momentos, a direção capta de forma perfeita as nuances de um roteiro que fala diretamente com os dias atuais, quando se menciona a importância da política e fala sobre a insistente falsa equivalência.

Num ano complicado, os filmes foram aqueles que nos ajudaram, que nos levaram para um outro mundo enquanto o nosso país caminhava (e continua caminhando) para o caos. É a arte quem nos ajuda um pouco. No Oscar desse ano, celebremos não apenas os filmes que ganharam destaque, mas todos aqueles que nos ajudam – sejam recentes ou bem mais antigos – a entrar numa válvula de escape.

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Montez Olivero

Montez Olivero é estudante de cinema de Recife, Pernambuco. Escreve sobre as estreias da semana para você ficar por dentro do mundo da sétima arte. Viciado em filmes e séries a ponto de não responder mensagens por estar imerso neste mundo. Ou seja, um cinéfilo e seriador apaixonado e maníaco.

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