É sempre muito interessante acompanhar histórias que se passam em meio a governos repressivos, que nos ajudam a entender como esses governos surgem e os males que causam na população. É ainda melhor quando o autor viveu aquilo e coloca sua experiência de vida na obra, trazendo ainda mais impacto. É isso que acontece em Paracuellos, quadrinho escrito e desenhado por Carlos Gíménez.
Compilando quatro álbuns (originalmente publicados em 1977, 1981, 1999 e 2001, respectivamente), Paracuellos conta a história dos abrigos do Auxílio Social que existiam na Espanha Franquista, no qual viviam inúmeras crianças órfãs ou abandonadas. Nesses ambientes as crianças eram tratadas de maneira extremamente rígida, com um forte direcionamento fascista e religioso por parte dos administradores. É nesse cenário que conheceremos as histórias de Pablito, Adolfo, Peribáñes, e muitos outros meninos que juntos conhecerão a crueldade, o medo e a vingança, mas também a fraternidade e amizade.
Embora Giménez não seja necessariamente um personagem da trama, é notável que ele coloca muito de suas experiências de vida ao longo da história, visto que o autor cresceu em um desses abrigos. Ele sabe muito bem como mostrar todos os horrores que eram presenciados nesses locais, mas também é hábil em transmitir os momentos felizes pelos quais essas crianças passavam, embora fossem raros.
Há momentos em que o leitor sentirá um nó na garganta, outros nos quais dará boas risadas e ficará feliz por cada vitória que os meninos conseguem. É tudo muito real, muito humano, demonstrando todo o talento que Carlos Giménez possui para contar histórias. Um verdadeiro mestre dos quadrinhos.
É importante notar também a evolução do autor ao longo das publicações dos álbuns, tanto no roteiro quanto no traço. Os primeiros álbuns são mais pesados, mostram as situações desagradáveis sem nenhum pudor, em uma narrativa bastante sufocante, já que não há espaçamento entre os quadros (o que, no meio dos quadrinhos, pode ser chamado de calha ou sarjeta). Nos álbuns mais recentes o traço do autor se torna mais rebuscado, sua narrativa mais leve e os personagens são melhor delineados, fazendo com que o leitor se apegue ainda mais a eles. Não é à toa que Paracuellos ganhou diversos prêmios, como o de melhor álbum no Festival de Angoulême em 1981 e o Prêmio do Patrimônio na edição 2010 do mesmo evento.
Há algum ponto negativo na obra? Bom, a única coisa que me incomodou ao longo da leitura foi a repetição de certos temas em algumas histórias, o que é compreensível visto que o quadrinho era publicado de forma periódica numa revista, a francesa Fluide Glacial, e por causa disso o público leitor era rotativo, ainda mais se levarmos em conta a diferença temporal entre as primeiras histórias e as últimas.
A editora Comix Zone vem fazendo um trabalho bastante elogiável, montando um catálogo de respeito. Eles apresentam a obra em capa dura, papel de ótima qualidade e alguns extras, como esboços e um prefácio do renomado tradutor Pedro Bouça, um dos maiores entendedores de quadrinhos que eu conheço, que é bastante complementar à obra, elucidando algumas questões sobre a ditadura de Francisco Franco e todo o contexto da época na qual a história se passa. É importante dizer também que este volume não publica todos os álbuns da série, e que provavelmente teremos um segundo volume de Paracuellos sendo publicado por aqui. Cruzemos os dedos.
Paracuellos é um quadrinho que te faz chorar, mas também te faz rir. Um relato muito humano sobre como a crueldade e a repressão podem impactar uma vida, mas também como amizades surgidas nesse contexto podem durar para sempre. Leitura indispensável, um dos melhores lançamentos do ano sem dúvidas.
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Ficha técnica
Editora: Comix Zone
Tradução: Jana Bianchi
Ano de lançamento: 2020
Páginas: 208
Preço: R$89,90
Lucas Araújo
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