Só mesmo uma série foda assim pra me fazer ressuscitar um dos maiores clichês dos depoimentos do falecido Orkut.
No último domingo, 06 de Novembro, foi exibido o sexto episódio, de um total de dez que irão compor a primeira temporada de Westworld. A HBO parece estar empenhada em ocupar a nossa mente não apenas durante a temporada de Game of Thrones, mas também nos intervalos entre uma temporada e outra, de forma que Westworld está sendo lançado estrategicamente nesse momento.
Da música de abertura viciante aos cliffhangers no final de cada episódio, a série tem se mostrado fantástica. Aliás, falando na música de abertura, o compositor da trilha sonora é Ramin Djawadi, o mesmo que compôs a trilha sonora e a igualmente viciante abertura de Game of Thrones (se você prestar atenção, dá até pra notar uma pequena similaridade de estilo entre as duas músicas de abertura).
Mas preciso dizer também que, quando as primeiras divulgações de Westworld apareceram, algumas semanas antes da estreia, eu ainda não fazia muita ideia do que esperar da série.
Inicialmente, eu pensei que o ambiente de Velho Oeste existisse numa espécie de realidade virtual (como em Matrix) ou dentro de um sonho (como em A Origem). Já o Lucas Felipe (outro dos redatores aqui no JG) me disse que havia entendido que a série fosse falar de uma história de faroeste de fato.
Com efeito, esses trailers e outros veículos de divulgação não mostraram muito sobre o enredo, e talvez até isso tenha sido proposital, mas o fato é que eu fiquei surpreso ao assistir o primeiro episódio e entender que o ambiente da série é um Parque Temático de Velho Oeste – um parque físico mesmo, e os personagens (hosts) que interagem com as pessoas pagantes (guests) são nada menos do que robôs.
A série é baseada no filme homônimo de 1973, escrito e dirigido por Michael Crichton – o mesmo cara que escreveu e publicou em 1990 o livro Jurassic Park, que posteriormente foi adaptado para o cinema por Steven Spielberg (suspeito que o desejo secreto de Crichton era ser diretor de parques temáticos, haha).
A adaptação do filme para a série é assinada por Jonathan Nolan (sim, irmão dessa pessoa aí que você pensou) e sua esposa Lisa Joy. Além da produção executiva, o casal assina o roteiro de alguns episódios, e Jonathan também está creditado como diretor do primeiro e do último episódio dessa primeira temporada.
Pensa numa série com roteiro inteligente
Seriado é o que não falta hoje em dia. Aliás, como eu já disse em outros posts, as séries se tornaram por excelência o modelo de entretenimento caseiro.
Mas quantas dessas inúmeras séries que temos disponíveis hoje têm roteiros realmente inteligentes e instigantes? Poucas, eu diria. O Netflix é o grande expoente no momento na geração de novas séries, e muitas delas são bem legais (eu mesmo acompanho várias), mas em termos de roteiros complexos e inteligentes, acho que a HBO ainda leva uma ligeira vantagem.
Em Westworld, cada cena parece ser cuidadosamente pensada em seus mínimos detalhes, e os espectadores mais atentos certamente já perceberam alguns detalhes que podem passar batidos, mas que provavelmente vão ser essenciais no desenrolar dos mistérios da trama. Isso faz com que a história seja um pouco pesada e não apropriada para todos os públicos. Não veja se estiver com sono ou se não quiser pensar muito, pois você vai perder vários desses interessantes detalhes.
Quem vê pensa que a HBO tá me pagando pra fazer propaganda da série, né? Infelizmente não, ainda não descobriram meu talento. Mas vai por mim: é uma série que tá valendo bastante a pena pelo roteiro bem pensado e muito bem amarrado. As atuações estão excelentes também
Você notou que a história de Westworld é um grande RPG?
Você joga RPG? Se você não joga, provavelmente não está tendo esse sentimento meio nostálgico que eu estou agora, mas eu explico:
RPG (em inglês Role Playing Game) é um jogo de interpretação de papeis em que cada jogador assume um personagem, e uma das pessoas na mesa (que não é exatamente um jogador) assume o papel de mestre (ou narrador), que é quem deverá criar o roteiro e controlar o mundo de jogo no qual a história se passa. Tudo acontece como um teatro de improviso, onde os jogadores/personagens fazem suas falas, descrevem suas ações e o mestre determina as consequências. Quanto maior a imersão dos jogadores no enredo, melhor o jogo.
Na série (que segue a mesma premissa do filme de 1973), uma empresa chamada Delos administra um gigantesco parque temático chamado Westworld, que é basicamente uma recriação do Velho Oeste americano na década de 1880, com robôs incrivelmente realistas que integram o cenário a ser explorado pelos clientes pagantes. A estadia no parque é caríssima, mas os ricaços que podem pagar experimentam uma imersão total, podendo fazer basicamente o que quiserem, livres de qualquer código de conduta moral.
Os donos do parque (especialmente Robert Ford, interpretado por Anthony Hopkins) são como os mestres/narradores, que criam um mundo no qual acontecerá a imersão dos jogadores/guests.
E dentro dos departamentos da administração do parque, há o setor de narrativa, responsável especificamente por criar as histórias nas quais os hóspedes deverão se envolver, que é basicamente o que um narrador de RPG faz antes do começo da sessão de jogo (só fiquei triste pois o diretor desse departamento na série é um dos personagens mais escrotos, haha).
Os hosts (anfitriões) nada mais são do que os famosos NPCs (non-player characters), também chamados de PdMs (personagens do mestre), ou seja, personagens que estão ali para interagir com os jogadores. Como robôs dotados de inteligência artificial, eles tem uma linha narrativa a seguir, e uma pequena capacidade de improvisação, caso os hóspedes não sigam a linha planejada. Essa capacidade de improvisação dos hosts é muito parecida com a improvisação que o narrador de uma mesa de RPG precisa fazer quando os jogadores não fazem o que ele esperava.
E os guests (hóspedes), por sua vez, são os players (jogadores). Eles não pensam (e nem devem pensar) em como foi a criação daquele mundo. Eles estão ali para fugir de sua realidade, imergindo nesse cenário criado e interpretando personalidades completamente diferentes daquilo que são, da forma como quiserem ser, sem restrições ou amarras morais.
A diferença é que há centenas de guests/players explorando o mundo de jogo e as dezenas de narrativas disponíveis ao mesmo tempo de forma coordenada, algo que seria impossível numa mesa de RPG, onde geralmente há entre três e seis jogadores (há narradores que colocam mais jogadores ainda na mesa, mas é loucura) e apenas um narrador coordenando as interações desse pequeno grupo de personagens com o mundo de jogo.
Na série, é bem provável que os robôs atinjam um novo nível de consciência ou inteligência artificial – afinal, qual a graça de um sci-fi com IA se isso não acontecer, certo? (já até vimos um pouco disso no sexto episódio). Dessa forma, logo mais essa análise que eu fiz om o RPG não será mais tão válida. Mas valeu a pena até o momento.
Teorias, teorias everywhere
Hoje em dia, toda grande história que se preze (e que queira vender) gera teorias, ou seja, tem pontas soltas colocadas ali propositalmente para permitir que os expectadores gerem suas próprias ideias de conclusão para os conflitos apresentados com os elementos que foram fornecidos.
No modelo de entretenimento que estamos experimentando hoje, as teorias acabam sendo uma forma de interação entre o conteúdo e os fãs/consumidores do conteúdo, além de ser uma fonte quase inesgotável de novos conteúdos independentes gerados por outros canais (exatamente como eu estou fazendo agora).
Dessa forma, o marketing que promove a série/livro/filme/whatever é retroalimentado pelos próprios consumidores e tem um potencial quase infinito (os criadores só têm que tomar cuidado para não dar um final meio bosta para as pontas soltas apresentadas e decepcionar uma legião de fãs, como aconteceu com Lost uma outra certa série que não vou mencionar o nome).
E Westworld já tem um número considerável de teorias sendo discutidas por aí, principalmente pra uma série que ainda nem concluiu a primeira temporada. Algumas dessas teorias são bem interessantes, como por exemplo:
– A teoria das duas linhas temporais simultâneas, que sugere que o hóspede Will e o Homem de Preto são a mesma pessoa;
– A teoria de que o parque fica em outro planeta (essa pra mim já é quase uma certeza);
– A teoria de que Bernard é na verdade um robô (e talvez sua AI tenha alguma relação com Arnold);
Sobre esta última, vale dizer que é um ponto quase pacífico que ainda vamos ter surpresas sobre a real natureza de alguns personagens da série, ou seja, é muito provável que acabemos descobrindo que há robôs não apenas dentro das narrativas, mas também entre os funcionários do parque.
Mas o Bernard é um caso especial que vem me chamando atenção desde o primeiro episódio, por conta de alguns pequenos detalhes colocados aqui e ali. Se esse mistério não tiver solução até o fim dessa temporada, talvez eu faça um post específico sobre isso.
Ainda não começou a assistir Westworld?
Não se preocupe, por enquanto só foram lançados 6 episódios, pouco mais da metade da primeira temporada. Ainda dá tempo de você fazer uma maratoninha no fim de semana para poder ver o episódio inédito que sai no domingo à noite e não tomar spoilers no facebook ou ter que correr pra pegar o bonde andando depois, quando todo mundo estiver falando sobre a série.
Por motivos de não ter HBO em casa força maior, não consegui ver o episódio no domingo à noite, mas acabei de vê-lo por outros meios (lícitos, garanto) e estou animadíssimo enquanto escrevo esta semi-resenha.
Você não assistiu o filme de 1973 no qual a série é inspirada? Não se preocupe, eu também não havia assistido até essa semana (não é lá muito pop, na verdade), e você não precisa vê-lo para entender a série. Recomendo apenas para aqueles que, assim como eu, gostam de analisar as diferentes opções narrativas sobre um mesmo plot (coisa que possivelmente farei num próximo post).
Está acompanhando Westworld? Deixe sua opinião sobre a série nos comentários!
Rafael Esteque
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