Entre os terrores que a guerra propícia para as pessoas que acabam envolvidas nos conflitos, a separação de famílias é uma das mais cruéis. Pessoas passam uma vida inteira em busca de familiares perdidos em meio a destruição, e muitas vezes não encontram os entes queridos. Um símbolo desse tipo de acontecimento é a Guerra da Coréia, que dividiu o país entre Coréia do Norte e Coréia do Sul, e sobre o qual Keum Suk Gendry-Kim escreveu em A Espera, quadrinho que relata o drama das famílias separadas por essa guerra.
O quadrinho conta a história de Jina, uma romancista, filha de Gwija, uma senhora coreana que, aos dezessete anos, foi obrigada a se casar com alguém que não conhecia para escapar do destino cruel de servir às tropas japonesas como “mulher de conforto” (tema sobre o qual Keum Suk Gendry-Kim falou no espetacular Grama) , na Segunda Guerra Sino-Japonesa. Apesar do casamento forçado, Gwija encontra a felicidade; mas ela durou pouco. Separada do marido e do filho durante a Guerra da Coreia, ela consegue chegar ao Sul e começar uma nova família, porém, sem jamais se esquecer da antiga. Anos depois, Jina promete ajudar a mãe a encontrar seus amores de outrora, só que, tendo se passado 70 anos desde a trágica separação, essa espera torna-se cada vez mais aflitiva e desesperançada. Gwija, agora uma idosa de saúde frágil, vê-se cada vez mais distante do sonho de rever seus entes queridos e de fazer as pazes com o passado.
Keum Suk Gendry-Kim é uma das brilhantes quadrinistas da atualidade, contando suas histórias com sensibilidade ímpar, mas de forma contundente e crítica sobre os problemas que está abordando. Em A Espera, a autora sabe como cativar o leitor em uma trama que causa identificação através das relações familiares, ao mesmo tempo em que causa indignação pela situação na qual os personagens são inseridos.
Há um certo aspecto autobiográfico na obra, como a própria Gendry-Kim menciona em seu posfácio, já que a mãe da autora também passou por uma situação semelhante, ao ser separada de um irmão durante a guerra. Por causa disso, é perceptível como a autora colocou muito de si na obra e isso aumenta ainda mais a relação do leitor com a história, devido a sensação de intimidade, como se estivéssemos vendo uma amiga contando uma história.
A arte de Keum Suk Gendry-Kim pode parecer simples em uma primeira olhada, mas seu talento como desenhista é visível em cada página. A artista sabe como transmitir leveza em seu traço nos momentos certos, assim como sabe alternar com um estilo mais carregado de nanquim para as cenas mais pesadas da história. Sua narrativa é convencional, mas sabe apresentar momentos contemplativos muito bem-vindos, característicos do quadrinho asiático.
A edição da Pipoca e Nanquim segue o alto padrão de qualidade da editora, capa dura, sobrecapa, papel offset de boa gramatura e fitilho marcador. Em questão de extras, há apenas o posfácio escrito pela autora no qual ela contextualiza a história e os reflexos da guerra até os dias de hoje na Coréia, assim como revela sua ligação pessoal com a trama. O trabalho de revisão e tradução também é competente, mantendo a leitura sem entraves e sem erros perceptíveis.
A Espera é um quadrinho necessário, ainda mais em tempos em que conflitos bélicos voltam a aterrorizar diversas regiões do planeta. Uma história que traz uma perspectiva ao leitor que o faz refletir sobre a situação. Um dos melhores quadrinhos lançados esse ano sem dúvidas.
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Ficha técnica
Editora: Pipoca e Nanquim
Tradução: Yun Jung Im
Ano de lançamento: 2021
Páginas: 252
Preço: R$69,90
Lucas Araújo
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