Sempre que aparece uma publicação do quadrinista francês Christophe Chabouté em nosso mercado, ela chama a atenção dos leitores pelo forte aspecto humano do trabalho do autor, que é um dos que mais consegue compreender e expressar aspectos de nossas vidas de forma emocionante. Purgatório, um de seus mais longevos trabalhos publicado por aqui pela editora Pipoca e Nanquim, é mais um exemplo de como Chabouté sabe explorar esses aspectos mesmo quando envoltos em clichês muito conhecidos.
Publicada originalmente entre 2003 e 2005, a obra conta a história de Benjamin Tartouche, para quem a vida parecia melhorar após receber uma enorme casa como herança. Entretanto, sua casa é dizimada por um incêndio e ele é enganado pelo dono da empresa de seguros que havia contratado para prevenir esse tipo de problema. Benjamin se vê sem casa, sem amigos e sem familiares, começa a viver na rua e se torna mais uma das diversas pessoas invisíveis que se encontram nessa situação. A situação parecia não poder piorar, mas o destino tem caminhos imprevisíveis e o protagonista dessa história acaba se envolvendo em um acidente e morrendo, indo parar no Purgatório. E é aí que ele recebe uma missão que parece ser impossível e que decidirá seu futuro.
Mencionei que Chabouté utilizou de clichês para criar essa história pois esse tipo de trama em que um personagem se vê diante de uma experiência de morte ou quase morte e tem que se redimir por certos acontecimentos de sua vida já foi vista em diversas obras, seja na literatura, como em Um Conto de Natal de Charles Dickens, seja em filmes, como E Se Fosse Verdade e diversos outros, seja em quadrinhos, como Yu Yu Hakusho, assim como a ideia das “Pessoas Invisíveis” foi explorada em um quadrinho de mesmo nome por Will Eisner.
Entretanto, o quadrinista francês se sai muito bem em contar uma história em que se debate o que é ser uma boa pessoa, a importância de se ajudar os outros sem esperar algo em troca e como existe gente que está disposta a tudo para poder atingir seus próprios objetivos egoístas. Em resumo, Chabouté, como geralmente ocorre em suas obras, fala sobre o que nos torna humanos de forma inteligente e muitas vezes irônica, seus personagens possuem nuances que os tornam identificáveis e a forma com a qual ele encerra a trama é bela e sensível, trazendo um certo aprendizado para o leitor.
Como de costume, o traço de Chabouté mantém a qualidade, apresentando elegância, apuro narrativo e um bom trabalho de expressões faciais, algo muito característico de seu trabalho, visto que ele se tornou conhecido por conseguir dizer muito mesmo sem qualquer texto. Um ponto que chama atenção é que essa é a primeira obra do autor publicada por aqui na qual ele utiliza cores, que são ótimas e possuem uma função narrativa muito interessante ao contrastar os personagens mortos e vivos.
A publicação da editora Pipoca e Nanquim mantém a tradicional qualidade, com capa dura, papel offset de boa gramatura, sem extras e com uma breve biografia do autor. Sempre elogio o cuidado editorial em suas publicações e a iniciativa de apresentar o trabalho de Chabouté aos leitores brasileiros, com ao menos uma publicação anual de suas obras.
Purgatório traz uma história que soa como clichê, mas que é muito bem feita e que demonstra as qualidades de seu autor como quadrinista, sendo uma ótima porta de entrada para leitores que queiram conhecer o trabalho de Christophe Chabouté. Pode não ser seu melhor trabalho, mas é o que apresenta maior inventividade narrativa. Não deixe de conferir.
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Ficha técnica
Editora: Pipoca e Nanquim
Tradução: Rafael Meire
Ano de lançamento: 2022
Páginas: 204
Preço: R$120,00
Lucas Araújo
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