Top 15 quadrinhos lidos em 2020

Mais um ano vai chegando ao fim e, além das festividades, é hora da tradicional lista de melhores quadrinhos lidos no ano aqui no Justiça Geek. Como fiz nos últimos anos, embora neste ano tenha sido mais difícil devido a tudo que vivemos, selecionei 15 quadrinhos (e mais algumas menções honrosas) para serem elencados na lista, que não está organizada em ordem de preferência e não necessariamente contém quadrinhos lançados este ano. Todos os reviews ou recomendações dos quadrinhos em questão estarão linkadas ao longo do texto, que será atualizado conforme novas resenhas forem sendo publicadas. Sem mais explicações, vamos à lista!

Eternauta 1969 – Héctor Germán Oesterheld e Alberto Breccia

É no mínimo curioso como raramente quadrinhos argentinos são publicados e apreciados por aqui. Embora tenha uma vasta produção e a proximidade geográfica, os quadrinhos produzidos por nossos vizinhos não são tão populares aqui quanto os norte-americanos, europeus e japoneses, por exemplo. Felizmente algumas editoras procuram romper esse estigma e por causa disso temos obras como O Eternauta 1969, quadrinho escrito por Héctor Germán Oesterheld e desenhado por Alberto Breccia, publicadas por aqui.

A história fala sobre uma invasão de Buenos Aires por uma raça alienígena conhecida como Eles. A invasão é acompanhada por uma nevasca mortal, que devasta grande parte da população e modifica a estrutura social. Durante a trama o protagonista Juan Salvo luta contra alienígenas, viaja no tempo e acaba se tornando a última esperança da humanidade. Tudo isso acompanhado de muitas reviravoltas e personagens incríveis e diversos.

O Eternauta 1969 é um quadrinho necessário, uma obra atemporal feita por dois verdadeiros gênio, que deveria ser obrigatória nas escolas. Embora tenham tentando diversas vezes calar a voz de Oesterheld, fico feliz que ela e muitas outras continuem sendo ouvidas e espero que continuem ecoando por toda a eternidade.

Confira nosso texto sobre Eternauta 1969!

Os Olhos de Barthô – Orlandeli

Já mencionei em algumas ocasiões que considero Orlandeli um dos maiores autores em atividade em nosso país. Suas obras são contadas de forma bastante sensível e trazem reflexões muito contundentes para o mundo em que vivemos, como você pode ver em histórias como Chico Bento – Arvorada e O Sinal. Em Os Olhos de Barthô, Orlandeli acerta em cheio novamente.

Neste quadrinho acompanhamos a história de Barthô, um sujeito que enxerga o mundo de forma muito peculiar desde muito jovem, sempre focando o que há de melhor na vida. Essa visão de mundo diferenciada chama a atenção das pessoas mais próximas, principalmente de Nicola, seu amigo de infância, que procura mostrar a Barthô que nem tudo são flores. Mas como ele poderia enxergar a maldade se tudo é belo em seu jeito de enxergar o mundo?

Os Olhos de Barthô é uma belíssima história sobre como também podemos ver o lado bom da vida mesmo que a crueldade do mundo tente nos cegar. Um quadrinho poderoso, que demonstra o todo o talento de um grande artista. Leia e se emocione.

Confira nosso texto sobre Os Olhos de Barthô!

Maxwell – O Gato Mágico – Alan Moore

Quando se fala sobre Alan Moore logo vem à mente trabalhos seminais dos quadrinhos como Watchmen, V de Vingança, Miracleman, entre outros que moldaram a indústria como a conhecemos hoje. Entretanto, há uma faceta de Moore que boa parte dos leitores desconhece, bem-humorada e inventiva, que pode ser apreciada em Maxwell – O Gato Mágico, um de seus primeiros trabalhos que foi publicado por aqui pela editora Pipoca e Nanquim.

Esse trabalho é uma coletânea das tiras semanais produzidas por Moore, sob o pseudônimo de Jill de Ray, para o jornal Northants Post (da cidade onde o autor mora, Northampton) entre os anos de 1979 e 1986 e protagonizadas por um gato falante que caiu na Inglaterra vindo dos céus e o garotinho que o adotou, chamado Norman Nesbitt. Durante o período em que a tira foi publicada, os leitores ingleses puderam acompanhar o humor ácido de Moore ao comentar acontecimentos que iam desde a política britânica até comerciais de fitas cassete na tv.

Maxweel – O Gato Mágico é indispensável para qualquer leitor que se considere fã de Alan Moore, assim como também pode funcionar como porta de entrada ao seu trabalho. É um belo exemplo de como o velho mago de Northampton sempre tem um truque novo para nos mostrar. E sempre acaba valendo a pena.

Confira nosso texto sobre Maxwell – O Gato Mágico!

Tina – Respeito – Fefê Torquato

O selo Graphic MSP, uma das iniciativas editoriais mais interessantes do nosso mercado, já abordou diversos temas utilizando os personagens criados por Mauricio de Sousa. Entre aventuras estilo Sessão da Tarde, ficção científica e terror, os quadrinhos do selo já abordaram questões sociais muito relevantes, como o racismo em Jeremias–Pele, da excelente dupla Rafael Calça e Jefferson Costa. E é numa perspectiva parecida que Fefê Torquato fala sobre assédio em Tina-Respeito.

Neste quadrinho acompanhamos a história de Tina, uma jovem jornalista de 22 anos que consegue seu primeiro emprego em uma redação de jornal após muito sucesso com uma newsletter chamada “Falando nisso…”. Ela se sente empolgada com os novos desafios e em seguir a carreira que tanto sonha, mas não esperava que o maior desafio seria no âmbito pessoal, e não profissional.

Tina-Respeito é um quadrinho forte e bastante contundente, toca em questões que devem ser debatidas e traz aprendizados para aqueles que nunca passaram pelas situações descritas. Uma das melhores publicações do selo Graphic MSP. Definitivamente, e peço perdão pelo trocadilho, é um quadrinho de respeito.

Confira nosso texto sobre Tina-Respeito!

A Grande Farsa – Carlos Trillo e Domingo Mandrafina

Mais um grande aceto da editora Comix Zone ao resgatar um verdadeiro clássico dos quadrinhos argentinos. Uma história Noir com tempero latino, lembrando muito uma novela em vários momentos, escrito por Carlos Trillo e Domingo Mandrafina.

A publicação em questão reúne tanto A Grande Farsa quanto sua continuação, O Iguana. O primeiro álbum narra uma trama que se passa numa república das bananas não tão imaginária assim, que é comandada por um ditador sanguinário que mantêm uma relação incestuosa com sua sobrinha. Esta sobrinha finge ser uma virgem milagrosa para a população e acaba sendo envolvida em uma chantagem baseada em fotos comprometedoras, tendo que pedir ajuda para um ex-policial alcoólatra a fim de evitar um grande escândalo. Eles acabam tendo que confrontar o sádico Iguana, o temido torturador oficial do regime ditatorial em vigor. Já o segundo álbum narra um pouco da história do terrível torturador e as repercussões ocorridas na primeira história.

Carlos Trillo honra a fama da grande qualidade que os roteiristas argentinos apresentam em suas obras e Domingo Mandrafina é um verdadeiro gigante do traço, com uma habilidade ímpar no estilo chiaroscuro. A Grande Farsa é um quadrinho indispensável para qualquer apreciador de boas histórias, espero que as editoras continuem investindo nos quadrinhos produzidos por nossos vizinhos sul-americanos, é visível que há muita qualidade no que é produzido em nosso continente e muita coisa ainda é inédita por aqui.

Confira nosso texto sobre A Grande Farsa!

Lone Sloane – Philippe Druillet

Algumas lacunas do nosso mercado de quadrinhos são simplesmente inexplicáveis. Existem diversos gênios que nunca foram publicados por aqui ou que nunca tiveram muito destaque no catálogo das editoras brasileiras. Felizmente, aos poucos, essas lacunas são preenchidas como no caso de Lone Sloane, quadrinho do genial Philippe Druillet, auxiliado por Jacques Lob nos roteiros de alguns álbuns e Jean-Paul Fernandez nas cores, publicado por aqui pela editora Pipoca e Nanquim.

A publicação reúne seis álbuns do personagem criado por Druillet, sendo eles: As 6 Viagens de Lone Sloane, Delirius, Gail, Chaos e Delirius 2, nos quais acompanhamos diversas histórias do explorador cósmico nas quais ele enfrentará tiranos despóticos, piratas espaciais, dragões e criaturas alienígenas, em mundos hostis e opressores, onde todos querem manipulá-lo e tomar seus poderes.

Para que você entenda o quão impactante e revolucionário é o trabalho de Druillet é preciso dizer que a sua galeria de fãs vai desde colegas de profissão como Hergé (o criador do TinTin), Moebius (que teve uma verdadeira transformação em seu estilo ao ter contato com o trabalho do autor) e René Goscinny (um dos criadores do Asterix e um dos mais geniais roteiristas de todos os tempos), até verdadeiros ícones do cinema como George Lucas e Ridley Scott. É possível até mesmo dizer que Jack Kirby e Druillet influenciaram um ao outro em seus trabalhos, numa espécie de sintonia entre gênios que propiciou alguns dos mais incríveis trabalhos da indústria.

Lone Sloane é um quadrinho que mostra todo o poder da criatividade de um verdadeiro criador de tendências, um gênio que merece ser mais conhecido pelos leitores de todo o mundo. Druillet é capaz de transportar o leitor aos confins do cosmo a cada virada de página e essa é uma habilidade que talvez nenhum outro autor possua. Leia sem medo e eu garanto que a viagem cósmica vai valer a pena. Simplesmente genial.

Confira nosso texto sobre Lone Sloane!

Primavera em Tchernóbil – Emmanuel Lepage

Documentários são fontes de informação sobre os assuntos mais variados, desde os temas mais simples e bobos, como a forma em que um produto é feito, até temas mais complexos, como grandes desastres ocorridos na história da humanidade. Essa vertente do jornalismo pode ser feita nas mais diversas mídias, sendo os quadrinhos uma das mais prolíficas.  E é isso que Emmanuel Lepage explorou em Primavera em Tchernóbil.

20 anos após o incidente em Tchernóbil, a maior catástrofe envolvendo energia nuclear na história da humanidade, ocorrida em 1986, um grupo de artistas e ativistas visita o locam a fim de documentar a vida dos sobreviventes da tragédia que habitam as terras contaminadas. Enviado para representar paisagens brutais de desastre e a loucura do homem, Emmanuel Lepage se surpreende com a inesperada beleza que encontra naquele inóspito lugar.

Primavera em Tchernóbil é um relato sobre como apesar de enormes tragédias, as pessoas acabam encontrando esperança e felicidade. Traz reflexão sobre a ganância e irresponsabilidade presente em nossa sociedade, algo muito importante.

Confira nosso texto sobre Primavera em Tchernóbil!

Homem-Aranha – História de Vida – Chip Zdarsky e Mark Bagley

Cronologia é algo que divide de certa forma leitores de quadrinhos de super-heróis. Alguns encaram como algo essencial do gênero, enquanto outros acham que é um dos fatores que ajudam a afastar novos leitores e aqueles que já desistiram de acompanhar histórias mensalmente. Entretanto, é muito interessante quando autores conseguem usar a cronologia de maneira bem integrada à trama e consegue produzir uma boa história. Esse com certeza é o caso de Chip Zdarsky em Homem-Aranha – História de Vida, quadrinho que ele produziu junto ao desenhista Mark Bagley.

Neste quadrinho, Zdarsky imagina como seria se diversos acontecimentos da história do Homem-Aranha nos últimos 60 anos se passassem em apenas uma linha cronológica, com os personagens envelhecendo ao longo do tempo. A descoberta dos poderes, a morte do tio Ben, a morte de Gwen Stacy, a Última Caçada de Kraven, a Saga do Clone, a Guerra Civil, entre outros acontecimentos, são interligados contando uma única história sobre a vida de Peter Parker.

Homem-Aranha – História de Vida é um quadrinho indispensável para todos os fãs do aracnídeo. É uma homenagem muito bonita do personagem e um belo exemplo de como utilizar as características mais inerentes ao gênero de super-heróis a favor de uma história. Um dos melhores lançamentos do ano, sem dúvidas.

Confira nosso texto sobre Homem-Aranha – História de Vida

Moonshadow – J. M. DeMatteis e Jon J. Muth

Ao longo da história dos quadrinhos sempre houveram obras que exploraram os limites da mídia, rompendo-os e estabelecendo novos parâmetros. Quando J. M. DeMatteis e Jon J. Muth, com participações de Kent Williams e George Pratt, se uniram para conceber Moonshadow, que foi republicado por aqui recentemente pela editora Pipoca e Nanquim, eles criaram uma obra desse tipo, que quebrou paradigmas e estabeleceu um novo patamar para as histórias em quadrinhos.

Neste trabalho acompanhamos Moonshadow, um jovem romântico, fruto do relacionamento de uma terráquea com um ser alienígena, durante sua jornada do despertar. Tendo vivido boa parte da existência em um zoológico espacial, imerso em uma enorme biblioteca, que reúne espécimes abduzidos de todo o cosmo pela misteriosa raça de esferas sorridentes conhecidas simplesmente como Des-Mesus, o inocente Moon — cujo conhecimento das coisas se baseia apenas em livros e no que sua mãe hippie lhe contava — parte em uma aventura ao lado do canalha Ira e do fiel gato Frodo, para descobrir que a vida é muito diferente do que ele imaginava.

Moonshadow é uma daquelas histórias que os leitores devem revisitar diversas vezes durante a vida. Uma obra seminal que mudou os quadrinhos quando foi lançada e que continua nos encantando não importa quanto tempo passe. Um verdadeiro clássico, sem dúvidas.

Confira nosso texto sobre Moonshadow!

Destino Adiado – Jean-Pierre Gibrat

A Segunda Guerra Mundial já foi abordada sob diversas perspectivas nas mais diversas mídias e, mesmo depois de tantos anos, ainda temos histórias contadas sobre a época do conflito, já que foi um dos acontecimentos mais impactantes do século XX. Fugindo um pouco das batalhas entre soldados, Jean-Pierre Gibrat, um premiado quadrinista francês, resolveu contar uma trama sobre pessoas comuns vivendo longe dos conflitos, mas ainda assim sofrendo seus efeitos e tendo de conviver com eles. É essa trama que Gibrat conta em Destino Adiado, quadrinho que o artista escreve e desenha e que foi lançado por aqui pela editora Pipoca e Nanquim.

Em junho de 1943, Julien Sarlat pula do trem que o transportava para os campos de guerra da Alemanha e volta para o vilarejo de Cambeyrac, na França, onde se esconde em uma propriedade abandonada para esperar o término da Segunda Guerra Mundial. Ele acompanha o cotidiano dos habitantes do vilarejo, confrontados, ainda que de forma mais branda, pelos efeitos da guerra. O maior interesse de Julien está em Cécile, seu grande amor, que ele apenas pode observar. Entretanto, as fileiras de tanques alemães não irão tardar a aparecer na cidade e trazer Julien à guerra da qual ele tanto tentou fugir.

A arte de Gibrat é um verdadeiro desbunde, com sensibilidade e impacto que transportam o leitor para um vilarejo francês nos anos quarenta. É perceptível o profundo trabalho de pesquisa do autor para construir cenários e figurinos que remetessem à época, tornando cada quadro uma verdadeira pintura. Há também um brilhante trabalho na expressão dos personagens, principalmente na postura corporal e nos olhares, você consegue ver o que eles estão sentindo sem sequer ler os balões. E junto desse belo traço, temos um trabalho de narrativa muito competente, que cadencia a leitura e que demonstra as habilidades de um verdadeiro mestre dos quadrinhos.

Confira nosso texto sobre Destino Adiado!

X-Men: Grand Design Vol.1 – Ed Piskor

A complicada cronologia dos X-Men já virou uma espécie de piada entre os leitores de quadrinhos. Ao longo dos anos, diversos autores passaram pelos personagens estabelecendo suas histórias, que não raramente são difíceis de serem interconectadas e terem alguma ordem lógica de fatos, principalmente se levarmos em consideração o que aconteceu nos anos 90, quando tudo descambou de vez. Embora haja alguns pontos de partida para novos leitores, ainda existem alguns pontos pouco esclarecidos. Ed Piskor definiu para si a missão de dar coesão à cronologia mutante, produzindo um dos trabalhos mais interessantes já feitos com os personagens em toda a história. Disso surgiu X-Men: Grand Design.

Ed Pìskor ganhou fama no mercado de quadrinhos ao produzir Hip Hop Genealogia, um trabalho que procura explicar a origem do respectivo gênero musical, traçando sua história até os dias de hoje. Foi essa mesma ideia que ele aplicou nos X-Men, procurando estabelecer uma lógica desde as histórias de Stan Lee e Jack Kirby até as mais recentes tramas. Por mais difícil que possa ser isso, pode-se dizer que ele fez um ótimo trabalho.

X-Men: Grand Design pode agradar novos leitores, mas é inegável que a obra foi produzida para os fãs mais veteranos dos personagens. Ao terminar a leitura, você fica ansioso para ver como será a versão de Ed Piskor para os próximos eventos. Quero só ver o que ele vai fazer quando a história chegar nos loucos anos 90…

Paracuellos – Carlos Gíménez

É sempre muito interessante acompanhar histórias que se passam em meio a governos repressivos, que nos ajudam a entender como esses governos surgem e os males que causam na população. É ainda melhor quando o autor viveu aquilo e coloca sua experiência de vida na obra, trazendo ainda mais impacto. É isso que acontece em Paracuellos, quadrinho escrito e desenhado por Carlos Gíménez.

Compilando quatro álbuns (originalmente publicados em 1977, 1981, 1999 e 2001, respectivamente), Paracuellos conta a história dos abrigos do Auxílio Social que existiam na Espanha Franquista, no qual viviam inúmeras crianças órfãs ou abandonadas. Nesses ambientes as crianças eram tratadas de maneira extremamente rígida, com um forte direcionamento fascista e religioso por parte dos administradores. É nesse cenário que conheceremos as histórias de Pablito, Adolfo, Peribáñes, e muitos outros meninos que juntos conhecerão a crueldade, o medo e a vingança, mas também a fraternidade e amizade.

Paracuellos é um quadrinho que te faz chorar, mas também te faz rir. Um relato muito humano sobre como a crueldade e a repressão podem impactar uma vida, mas também como amizades surgidas nesse contexto podem durar para sempre. Leitura indispensável, um dos melhores lançamentos do ano sem dúvidas.

Confira nosso texto sobre Paracuellos!

Satsuma Gishiden: Crônicas dos Leais Guerreiros de Satsuma Vol.1 – Hiroshi Hirata

Os samurais são figuras históricas que atraem a atenção do público em diversas mídias há anos, seja pelo seu código de honra, modo de vida ou pelas grandes batalhas nas quais eles estavam envolvidos. Particularmente, acho ainda mais interessante quando as obras que abordam esses guerreiros também relatam o contexto histórico no qual eles viviam, fazendo com que a compreensão sobre a presença social e política do samurai seja ainda mais abrangente para o público. Esse com certeza é o caso de Satsuma Gishiden: Crônicas dos Leais Guerreiros de Satsuma, quadrinho escrito e desenhado por Hiroshi Hirata que teve seu primeiro volume, de um total de três, publicado por aqui pela editora Pipoca e Nanquim.

Esse quadrinho traz uma perspectiva muito peculiar para os lendários guerreiros japoneses: o papel do samurai em tempos de paz. Depois da Batalha de Sekigahara, em 1600, os samurais viram sua função mudar de uma hora para outra quando a necessidade de que o país se tornasse unido tornou desnecessária a utilização de guerreiros treinados para a batalha. Agora, esses nobres guerreiros se encontram num conflito entre manter o seu ilibado código de honra e se adaptar aos novos tempos. Satsuma é a província mais temida pelo Xogunato, já que é a região com mais samurais treinados para a batalha que agora se encontram insatisfeitos por não poderem exercer a função para a qual são preparados. Essa insatisfação cresce ainda quando uma ordem expressa do governo determina que os habitantes dessa região terão que executar uma obra quase impossível, com desdobramentos que poderão levá-los a mais plena glória ou a desonra eterna.

Satsuma Gishiden é uma leitura recomendada para qualquer leitor que esteja interessado em conhecer mais sobre a história do Japão e sobre a figura do samurai. Há ainda mais dois volumes da série a serem publicados e estou ansioso para conferi-los. Se a qualidade se mantiver, teremos uma das maiores obras sobre esses guerreiros já escritas completa nas nossas estantes em breve.

Confira nosso texto sobre Satsuma Gishiden: Crônicas dos Leais Guerreiros de Satsuma Vol.1!

Grama – Keum Suk Gendry-Kim

Os terrores da guerra já foram retratados em diversas mídias, sob as mais diversas abordagens. Quando falamos de quadrinhos, provavelmente o primeiro exemplo desse tipo de história é Maus de Art Spielgman, um dos mais potentes relatos sobre o holocausto que se tem conhecimento. A perspectiva asiática da guerra, principalmente as das nações que sofreram com os ataques realizados pelo Japão, não é muito conhecida por nós ocidentais, e é por isso que Grama, da autora sul-coreana Keum Suk Gendry-Kim, é uma obra de extrema importância para leitores de todo o mundo.

Em Grama acompanhamos a história de Ok-sun Lee, uma sul-coreana que foi vendida pela própria família na infância e forçada à escravidão sexual pelo Exército Imperial Japonês. Ela é uma das várias mulheres que foram capturadas para servir aos soldados nas chamadas “casas de conforto”, sob a alcunha de “mulheres de conforto”, espalhadas pela China e por territórios ocupados pelo Japão durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial, em um dos episódios mais vergonhosos do passado da humanidade. Ok-sun Lee, hoje com mais de 90 anos, se tornou um importante ativista pela indenização das “mulheres de conforto”.

Grama é um daqueles quadrinhos que transformam o leitor, uma obra importantíssima para que saibamos sobre os terrores da guerra e como sempre devemos ser contra esse tipo de conflito. Um dos melhores lançamentos deste ano, sem dúvidas, e uma obra que tem tudo para se transformar em um grande clássico dos quadrinhos. Indispensável.

Confira nosso texto sobre Grama!

Sabrina – Nick Drnaso

Vivemos uma época, no mínimo, estranha. Rodeados por fake news que distorcem a realidade para boa parte da população, vemos maus governantes sendo eleitos, pessoas inocentes sendo incriminadas por crimes que não cometeram e uma certa instauração do caos na sociedade. Podemos ver muito disso em Sabrina, obra escrita e desenhada por Nick Drnaso que traz para o debate esses elementos dos tempos em que vivemos e mostra como o impacto disso na vida das pessoas pode ser gigantesco.

O quadrinho narra o misterioso desaparecimento da jovem Sabrina e acompanha os reflexos desse evento na vida das pessoas ao seu redor: a angústia de Teddy, o namorado, que passa os dias na cama imaginando o paradeiro da garota desaparecida, a tensão de seu amigo Calvin, um oficial da força aérea que se vê subitamente envolvido na trama e o desespero da irmã Sandra, em busca de notícias, recusando-se a aceitar o pior. Em meio ao sofrimento da família, os fóruns alimentam a internet com teorias conspiratórias sobre o caso e disseminam fake news que ganham repercussão cada vez maior, borrando os limites entre realidade e ficção.

Sabrina é simplesmente indispensável, principalmente na situação na qual nos encontramos. É uma obra que incentiva a análise da sociedade e a reflexão sobre o impacto das fake news, desde em questões mais simples até as mais profundas, que levam à ascensão de facínoras e mortes. Deixa um gosto amargo que incomoda, mas que é extremamente necessário.

Confira nosso texto sobre Sabrina!

Menções Honrosas

Preciso citar algumas HQs que por razões que não consigo explicar ficaram de fora da lista principal rs. Todas também apresentam alto nível de qualidade.

O Gourmet Solitário –  Masayuki Kusumi e Jiro Taniguchi

Neste quadrinho acompanhamos os singelos relatos de um vendedor de artigos importados sobre comidas servidas em diversas partes do Japão. Quanto mais conhecemos as comidas, mais conhecemos sobre as pessoas que as preparam. Jiro Taniguchi tem uma capacidade impressionante de transmitir paz em seu traço, algo de muito valor nos tempos que estamos vivendo. É impossível não ficar com fome durante a leitura.

X-Men – Jonathan Hickman, Pepe Larraz e R.B. Silva

Jonathan Hickman mudou a perspectiva dos mutantes no Universo Marvel, transformando-os em verdadeiros deuses. Ele consegue reunir diversos conceitos interessantes apresentados durante décadas nas revistas dos X-Men e fazê-los soas como novidade. Ver o sonho de Xavier se tornar realidade e em como o líder da equipe está encarando o mundo é uma das melhores coisas que você pode encontrar em quadrinhos de super-heróis na atualidade. Espero que ele mantenha a regularidade na série posterior às minisséries Potências de X e Dinastia X, mas de qualquer forma o futuro é bastante promissor para os mutantes.

A Grande Odalisca e Olympia – Bastien Vivès, Florent Ruppert e Jérôme Mulot

Tive que colocar essas duas obras juntas aqui na lista já que fazem parte da mesma série. Um quadrinho de ação despretensioso e divertido, com protagonistas cativantes, sequências de tirar o fôlego e um trabalho artístico muito primoroso. Um verdadeiro blockbuster em quadrinhos, perfeito para aqueles momentos em que você quer ler coisas mais leves, que não exigem muita reflexão.

Confira nossos textos sobre A Grande Odalisca e Olympia!

Luz que Fenece – Barbara Baldi

Luz que Fenece é um trabalho que merece ser lido, muito por causa de seu impacto visual e por apresentar um estilo de arte que não estamos acostumados a ver por aqui, além de uma história sensível e humana. Fico feliz que Barbara Baldi tenha sido apresentada para o público brasileiro e estou ansioso para ler seus próximos trabalhos. Ela merece a atenção que vem ganhando ao redor do mundo e espero que também a tenha por aqui.

Confira nosso texto sobre Luz que Fenece!

Campos de Batalha – Garth Ennis, Russ Braun e Peter Snejbjerg

Garth Ennis é um escritor bastante controverso, mas é fato que quando ele escreve histórias de guerra, sempre produz resultados muito bons. Campos de Batalha apresenta duas histórias que se passam durante a Segunda Guerra Mundial, trazendo perspectivas diferentes para o conflito. Para fãs do escritor ou de boas histórias com esse tema, esse é um quadrinho indispensável.

Confira nosso texto sobre Campos de Batalha!

Boca do Diabo – Jerome Charyn e François Boucq

Boca do Diabo conta a história de Yuri, um jovem ucraniano sem passado e identidade além de um lábio leporino (e por isso recebe o apelido de Boca do Diabo) que é acolhido e treinado pela KGB. Após duas décadas, ele é enviado aos EUA para levar uma vida dupla, como operário e espião do governo soviético sob o nome de Billy Budd. Após resgatar um colega de trabalho e estabelecer laços de amizade com seus companheiros, ele irá embarcar em uma espécie de jornada espiritual que irá fazer com que ele questione as ordens que recebe de seus superiores soviéticos. É um quadrinho que agradará todos os fãs de boas histórias de espionagem ou que querem se aventurar em uma história belamente ilustrada.

Confira nosso texto sobre Boca do Diabo!

Lock & Key – Joe Hill e Gabriel Rodriguez

Lock & Key conta a história de Keyhouse, uma antiga mansão localizada na cidade de Lovecraft na qual a família Locke se refugia para tentar escapar de um assombroso passado de dor e assassinato. Mas a mansão guarda diversos segredos, como curiosas chaves mágicas e uma maligna criatura que habita o local. Logo a família Locke irá perceber que a ida a este local específico não foi mera obra do acaso e acaba sendo confrontada pela história de seus antepassados. Um quadrinho escrito por um dos mais talentosos escritores da atualidade e que possui uma trama que atrai cada vez mais a atenção do leitor em cada virada de página.

Confira nosso texto sobre Lock & Key!

Henri Desiré Landru – Cristophe Chabouté

Uma lista de melhores leituras do ano do Justiça Geek não pode estar completa sem a presença de Chabouté, ainda que dessa vez ele tenha vindo parar nas menções honrosas. Neste quadrinho, o talentoso quadrinista francês conta a hitória do maior Serial Killer da história da França, trazendo uma nova visão sobre os fatos. Quadrinho muito competente em sua proposta e mais um exemplo do talento de Chabouté. Embora não tão bom quanto as publicações anteriores do autor por aqui, merece ser lido, já que quando Chabouté publica um trabalho, você não pode deixar de conferir.

Confira nosso texto sobre Henri Desiré Landru!

O Boxeador – Reinhard Kleist

Em O Boxeador acompanhamos a história de Hertzko Haft, narrada por seu filho Alan Scott Haft, que sobreviveu à estadia em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial atuando como pugilista em combates entre prisioneiros para distração dos oficiais alemães. Ao fim da guerra, a fera judia, como era conhecido nos ringues, emigra para os Estados Unidos, se torna pugilista profissional e durante sua carreira acaba enfrentando o lendário Rocky Marciano. Um quadrinho incrível, uma leitura necessária e que causa grande impacto no leitor.

Confira nosso texto sobre o Boxeador!

A Gangue da Margem Esquerda – Jason

Esse quadrinho apresenta uma premissa muito inusitada: Os batalhadores quadrinistas Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Ezra Pound e James Joyce passam seus dias obstinadamente arte-finalizando quadro após quadro em suas grandes pranchetas brancas; e suas noites e madrugadas perambulando pelos cafés, onde discutem sobre a vida, o amor, os quadrinhos e como satisfazer uma mulher. Mas a vida é dura na Paris dos anos 1920. E então, um dia, Hemingway propõe que ele e seus amigos realizem um assalto. A Gangue da Margem Esquerda é um trabalho muito divertido, que demonstra todo o talento de Jason e, não à toa, foi premiado pelo Eisner em 2007 na categoria Melhor Título Estrangeiro. Se você já é fã do autor, o trabalho é indispensável, e se você quer conhecê-lo, essa é uma boa porta de entrada.

Confira nosso texto sobre A Gangue da Margem Esquerda!

Gideon Falls – Jeff Lemire e Andrea Sorrentino

A ideia era colocar apenas dez menções hobnrosas na lista, mas é impossível não citar Gideon Falls entre as melhores leituras do ano, já que a série sempre surpreende. Lemire escreve uma história de terror e mistério, bastante intrincada e que a cada número levanta mais questões em seus leitores. Pode ser um pouco confuso em alguns momentos, mas é impressionante como após ler o primeiro capítulo, você não vai mais querer largar a série.

Confira nosso texto sobre Gideon Falls!

Para adquirir qualquer um dos quadrinhos presentes nessa lista, acesse os links das respectivas resenhas ou utilize o nosso link da Amazon!

Finalmente chegamos ao fim deste top 15 (que na verdade é um top 26 rs) de melhores leituras do ano de 2020. Este foi um ano complicado, em que foram necessárias diversas adaptações em nosso cotidiano, mas mesmo assim foi possível ter boas leituras. E você, quais foram suas melhores leituras em 2020? Tem alguma coisa em comum com a minha lista? Deixa aí nos comentários, vamos trocar recomendações. Sempre descobrimos algo novo nesse tipo de discussão.

Lembrando que agora o Justiça Geek entrará de férias (afinal merecemos né? rs) e voltará com força total em fevereiro de 2021. Obrigado por nos acompanhar neste ano e esperamos vê-los no ano que vem e superarmos todos os problemas que 2020 nos propiciou (vem vacina!). Um feliz 2021 e até lá!

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Lucas Araújo

Programador, estudante de TI e co-fundador do Justiça Geek. Fanático por quadrinhos, aficionado por filmes e séries, leitor faminto, gamer esporádico e músico (muito) frustrado. Gosta de falar sobre tudo isso em seu tempo livre(ou até mesmo quando não está tão livre...), debatendo questões essenciais para a humanidade como quem vence um crossover entre super- heróis, qual é seu escritor favorito e se um filme foi bem feito.