Virgem Depois dos 30 – Um tema interessante, uma adaptação terrível

A sociedade japonesa é interessante sob diversos aspectos e vem sendo estudada há anos, tanto pelos próprios japoneses quanto por estrangeiros. Como qualquer sociedade, os japoneses têm seus pontos altos e baixos que podem impressionar àqueles que enxergam a situação de fora. Atsuhiko Nakamura escreveu o livro Virgens de Meia Idade para analisar um problema social que impacta de maneira muito profunda a sociedade japonesa: um em cada quatro homens acima dos 30 anos nunca teve relações sexuais, o que representa mais de dois milhões de virgens. O livro fez grande sucesso e foi adaptado por Bargain Sakuraichi para o formato mangá em Virgem Depois dos 30, que foi lançado recentemente por aqui pela editora Pipoca e Nanquim.

Neste quadrinho somos apresentados às histórias de sete virgens, que possuem perfis bastante variáveis e as consequências que eles enfrentam devido à esta condição. Conforme as histórias avançam, vemos os sintomas de diversos problemas sociais, seja por problemas causados pelos próprios virgens, seja pela inabilidade da sociedade e do governo em lidar com essas pessoas.

O texto de Nakamura é bastante contundente e procura mostrar de maneira bastante crua todas as mazelas sociais que os problemas de relacionamento que esses virgens tem causam. O autor de maneira nenhuma tenta defender ou atacar o grupo, mas discute sobre como o mercado de trabalho lida com essas pessoas, que em grande parte são relegadas à clinicas para tratamento de idosos e acabam causando problemas em efeito dominó, ou sobre como em uma sociedade já repleta de competitividade e pressão para ser bem-sucedido, essa situação eleva o número de suicídios em um país que já tem um dos maiores índices do mundo. As histórias deixam o leitor bastante desconfortável, ainda mais com os artigos escritos por Nakamura que as complementam e trazem maior aprofundamento tanto quanto com relação aos personagens que foram entrevistados quanto pelos problemas sociais. Não à toa, há um aviso de gatilho emocional na capa do mangá.

É curioso como, se você parar para pensar, é possível que qualquer um de nós já tenha encontrado figuras muito parecidas com as descritas nesta obra, mesmo convivendo em uma sociedade bastante diferente da japonesa. O comentarista online de extrema direita ou a peculiar figura que adora menosprezar seus colegas de trabalho por qualquer erro por mais simples que seja, entre outros, são personagens não tão incomuns em nosso dia a dia. O autor procura entender o que faz com que essas pessoas ajam assim e como a sociedade lida com elas, sem em nenhum momento propor qualquer tipo de solução milagrosa. É simplesmente a apresentação do problema para nos fazer refletir.

Quanto à arte de Bargain Sakuraichi, bem eu preciso dizer que poucas vezes vi uma adaptação tão equivocada em minha vida. Ao mesmo tempo em que o texto está falando sobre diversos problemas muito sérios, o artista insere um humor que não tem nada a ver com o que está sendo falado, seja em expressões faciais ridículas, seja em retratar algumas ações da maneira mais ridícula possível. Sério, não dá pra você falar sobre suicídio e auto mutilação ao mesmo tempo em que faz piada de peido. É simplesmente ridículo. O artista até tem um traço competente e uma narrativa interessante, mas erra demais a mão ao construir o clima da história.

O trabalho da editora Pipoca e Nanquim dispensa elogios, mas aqui eles se fazem necessários pois esta é a primeira publicação do selo DRAGO, o novo selo que eles criaram para a publicação de mangás (anteriormente eles haviam publicado somente Guardiões do Louvre, que possui um formato bastante diferente). Com papel de qualidade, uma encadernação flexível que faz toda a diferença quando se trata de um mangá, sobrecapa e um simpático marcador de páginas, a editora procurou aproximar seu formato de publicação do que é feito no Japão e foi muito bem-sucedida.

Virgem Depois dos 30 é um interessante estudo social, que traz questionamentos contundentes e apresenta um problema que algumas pessoas podem considerar simples, mas que pode causar uma série de mazelas tanto para as pessoas afetadas quanto para as que estão ao redor. Embora tenha uma arte que é equivocada ao ponto de quase ser ofensiva, é uma obra essencial para os dias de hoje. Mas confesso que preferia ter lido o livro…

PS: Após escrever o texto, li a resenha escrita pelo renomado jornalista Érico Assis (clique AQUI para ler) , em que ele contextualiza o uso de caricaturas e humor em obras documentais como essa e como isso pode causar estranhamento ao leitor ocidental. Decidi manter meu texto com as duras criticas ao trabalho do artista pois isso realmente me incomodou, mas recomendo que você também leia o texto do Érico para ter um maior contexto sobre os recursos utilizados pelo desenhista.

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Ficha técnica

Editora : Pipoca & Nanquim
Ano de lançamento: 2019
Páginas: 244
Preço: R$ 49,90

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Lucas Araújo

Programador, estudante de TI e co-fundador do Justiça Geek. Fanático por quadrinhos, aficionado por filmes e séries, leitor faminto, gamer esporádico e músico (muito) frustrado. Gosta de falar sobre tudo isso em seu tempo livre(ou até mesmo quando não está tão livre...), debatendo questões essenciais para a humanidade como quem vence um crossover entre super- heróis, qual é seu escritor favorito e se um filme foi bem feito.