Boca do Diabo – Espionagem, Misticismo e Guerra Fria!

Existem diversas histórias que utilizam a Guerra Fria como tema, sejam na literatura, cinema, tv ou quadrinhos. O período foi marcado pelos confrontos indiretos entre os EUA e a URSS, com o mundo aflito com o risco de um confronto nuclear entre essas nações. Sem dúvidas, o tema mais explorado em histórias ambientadas nesse cenário é a espionagem, sendo Boca do Diabo, quadrinho escrito por Jerome Charyn e arte de François Boucq, mais um belo exemplar de histórias desse gênero.

Boca do Diabo conta a história de Yuri, um jovem ucraniano sem passado e identidade além de um lábio leporino (e por isso recebe o apelido de Boca do Diabo) que é acolhido e treinado pela KGB. Após duas décadas, ele é enviado aos EUA para levar uma vida dupla, como operário e espião do governo soviético sob o nome de Billy Budd. Após resgatar um colega de trabalho e estabelecer laços de amizade com seus companheiros, ele irá embarcar em uma espécie de jornada espiritual que irá fazer com que ele questione as ordens que recebe de seus superiores soviéticos. Ele estará disposto a enfrentar as consequências de suas ações?

O roteiro de Jerome Charyn é muito bem estruturado, remetendo ao que há de mais clássico quando se trata de histórias de personagem. A forma com a qual ele desenvolve Yuri, um soldado que acredita nos ideais de seu governo, mas que aos poucos vai perdendo a fé no que acredita e começa a se questionar, é muito impactante e bem construída. Outro ponto que chama bastante a atenção é a forma com a qual ele insere o contexto social e político do fim dos anos 60 e início dos anos setenta na história, mostrando como a decadência da sociedade norte-americana na época impacta na visão de Yuri sobre o mundo. Lembra o trabalho de Martin Scorsese em Taxi Driver e de Frank Miller em Demolidor.

Entretanto, o roteiro tem seus problemas. Algo que acaba causando certa frustração na condução da trama e em seu final é a inserção de aspectos místicos, que acabam tirando um pouco o foco da história e parecem destoar muito de seu início. O autor até consegue justificar a inserção desses elementos, mas é difícil não ter a sensação de que o encerramento poderia ser muito melhor.

A arte de François Boucq é absurdamente deslumbrante, com cenários muito detalhados e figuras humanas muito bem construídas. Além do belo traço cheio de identidade própria, o artista também é um mestre da narrativa, sabendo muito bem como cadenciar as cenas que precisam de mais ação e as que são mais contemplativas. É um pouco inexplicável que esse seja o primeiro álbum dele publicado por aqui (anteriormente somente histórias curtas dele haviam sido publicadas no Brasil na antiga revista Heavy Metal) e espero que cada vez mais seus trabalhos apareçam no mercado brasileiros.

A editora Comix Zone apresenta um trabalho bastante competente, apresentando o quadrinho em acabamento de luxo com capa dura e papel de ótima qualidade, além de uma boa tradução e revisão e uma biografia dos autores que ajuda a entender a importância deles. A única coisa que achei estranha no quadrinho foi a escolha por não traduzir certos elementos dos cenários, como placas e anúncios. Alguns deles são relevantes para a história embora sejam perfeitamente compreensíveis pelo contexto, mas a estranheza vem mais por a tradução desse tipo de elemento ser padrão em nosso mercado. De todo modo, a editora merece elogios por estar montando um bom catálogo de publicações, nosso mercado agradece.

Boca do Diabo é um quadrinho que agradará todos os fãs de boas histórias de espionagem ou que querem se aventurar em uma história belamente ilustrada. Definitivamente uma publicação de peso, não perca tempo e leia.

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Ficha técnica

Editora: Comix Zone
Tradução: Thiago Ferreira
Ano de lançamento: 2020
Páginas: 128
Preço: R$79,90

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Lucas Araújo

Programador, estudante de TI e co-fundador do Justiça Geek. Fanático por quadrinhos, aficionado por filmes e séries, leitor faminto, gamer esporádico e músico (muito) frustrado. Gosta de falar sobre tudo isso em seu tempo livre(ou até mesmo quando não está tão livre...), debatendo questões essenciais para a humanidade como quem vence um crossover entre super- heróis, qual é seu escritor favorito e se um filme foi bem feito.