Construir um roteiro com pitadas de surrealismo e interpretação subjetiva pode ser uma ferramenta perigosa. O autor pode soar prepotente e construir uma história que somente ele entenda (sim, Grant Morrison, estou falando com você), tornando seu trabalho pouco acessível e, sem palavra melhor para definir, chato. Porém, quando um autor tem completo domínio sobre o que está fazendo, além de certa dose de genialidade necessária, é possível construir uma história que possua diferentes interpretações e todas elas sejam enriquecedoras. Este é o caso de Conto de Areia, HQ baseada em um roteiro de cinema escrito por Jim Henson e Jerry Juhl, com adaptação de Ramón K. Pérez.
Você com certeza já teve contato com algum dos trabalhos de Jim Henson, já que ele é uma das maiores mentes criativas do século XX. Ele é o criador dos Muppets, um dos maiores fenômenos televisivos da história com seus icônicos personagens, dos protagonistas do programa infantil Vila Sésamo, que teve versão nacional; da Família Dinossauro, que você com certeza deve ter assistido nas manhãs do SBT, além de ter sido um dos responsáveis pela criação do Yoda, auxiliando George Lucas na construção do personagem e na manipulação da marionete. Em grande parte de seus trabalhos, ele manteve a parceria com Jerry Juhl, que roteirizou diversos episódios dos Muppets e foi importantíssimo para o sucesso do programa.
O que você não deve saber é que durante os anos 60, Henson produziu alguns filmes e curta-metragens experimentais, com um certo clima surrealista, que debatiam temas completamente intrincados com a natureza humana e os problemas da vida moderna. Os maiores expoentes destes trabalhos de Henson foram Time Piece, indicado ao Oscar de melhor curta-metragem em 1966, e The Cube, co-escrito com seu parceiro Jerry Juhl e lançado em 1969. Durante este período, Jenson e Juhl escreveram o roteiro de Conto de Areia, porém não conseguiram produzir o filme devido a questões orçamentárias e outros projetos que acabaram tomando o tempo da dupla, o que fez com que o roteiro fosse arquivado. Muito tempo depois o roteiro foi encontrado nos arquivos da The Jim Henson Company (empresa responsável por produzir obras relacionadas aos trabalhos de Henson e liderada por sua filha, Lisa Henson) e adaptado por Ramon K. Pérez para os quadrinhos.
Conto de Areia parte de uma premissa aparentemente simples: Um protagonista, que não tem seu nome mencionado (ainda que no roteiro original ele se chame Mac), chega em uma cidade que está festejando uma data especial dedicada ao personagem. Depois de uma breve explicação, o protagonista recebe alguns objetos em uma mochila e um mapa, e com isso tem a missão de atravessar um deserto para chegar ao final de sua jornada. Durante esta aventura ele encontrará diversos desafios e aprenderá um pouco mais sobre si mesmo.
O brilho da história está em suas diversas interpretações, que podem variar entre uma luta contra um vício até a demonstração de um processo criativo, em como um autor tem as ideias para construir sua obra e em como elas nem sempre aparecem em ordem. Esses são apenas exemplos, já que não existe interpretação certa ou errada para obra, ela tocará cada leitor de uma forma diferente, algo que demonstra a grande genialidade desses criadores.
Henson e Juhl têm grandes méritos para a construção da história, mas o trabalho de Rámon K. Pérez em adaptar as ideias dos roteiristas para os quadrinhos deve ser igualmente exaltado. O artista tem uma arte belíssima, com cores quentes e fortes, e uma narrativa impressionante, que utiliza diversos recursos da mídia quadrinhos para transmitir as ideias dos roteiristas originais. Repare em como certas horas o roteiro original vaza para os quadrinhos ou em como ele constrói e desconstrói cenários para expressar as emoções do protagonista. Coisa de gênio.
O quadrinho recebeu diversos prêmios, entre eles três Eisners nas categorias Melhor Álbum Gráfico, Melhor Desenhista e Melhor Design de Publicação, e também foi vencedor do Joe Shuster Award. Como você pode ver, a HQ também foi um completo sucesso com a crítica.
Parece chover no molhado, mas mais uma vez o trabalho da editora Pipoca & Nanquim merece elogios. O projeto gráfico do quadrinho é belíssimo, com seu formato remetendo a um caderno de roteiros ao estilo Moleskine, que conversa muito com a obra. O acabamento arredondado, com a capa dura apresentando baixo relevo e as belas cores fazem com que o quadrinho seja tão bonito por fora quanto é por dentro. Os diversos textos complementares ajudam a entender a importância do trabalho de Jim Henson e o cenário no qual ele e Jerry Juhl escreveram este roteiro.
É muito bom poder ler um quadrinho que te faz refletir sobre diversos aspectos que você vivencia diariamente, fazendo com que você seja uma pessoa diferente ao final da leitura. Leia Conto de Areia, garanto que é uma jornada da qual você não se arrependerá.
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Ficha técnica
Editora : Pipoca & Nanquim
Ano de lançamento: 2018
Páginas: 160
Preço: R$ 69,90
Lucas Araújo
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