Quando uma obra muito premiada é publicada no Brasil é um pouco complicado controlar as expectativas. Você imagina que será uma grande experiência e que qualquer coisa abaixo disso será decepcionante. Felizmente existente obras que ao serem lidas correspondem e até mesmo superam qualquer tipo de expectativa, e esse é o caso de Pele de Homem, quadrinho escrito por Hubert e desenhado por Zanzim.
A história se passa na Itália renascentista e é protagonizada por Bianca, uma jovem nobre que teve um casamento arranjado com um homem escolhido que ela não conhece por sua família, Giovanni, algo comum na época. Bianca se sente muito frustrada pelo casamento com um completo desconhecido, mas sua madrinha lhe apresenta um segredo de família que irá mudar sua perspectiva, uma “pele de homem” que lhe permitirá se tornar Lorenzo, um belo jovem que conhece o mundo sob um olhar masculino e que ajudará a jovem a conhecer o homem com o qual irá se casar. Entretanto, essa experiência despertará indignação em Bianca, fazendo com que ela questione e combata a desigualdade entre homens e mulheres numa sociedade retrógrada.
O roteiro de Hubert é sofisticado, pois o autor não só conta uma simples história sobre amor e a desigualdade entre gêneros, mas aproveita para inserir diversas questões sociais muito relevantes para os dias de hoje mesmo a história se passando no século XV. Machismo, misoginia, liberdade sexual, transexualidade e fanatismo religioso, tudo isso misturado em uma trama que entretém e traz diversos questionamentos ao leitor. Quando Bianca enxerga o mundo com os olhos de Lorenzo, ela percebe como as mulheres, e qualquer um que não se encaixe no padrão homem branco, rico e cristão, são subjugadas pela sociedade e tratadas como uma classe inferior devido a crenças distorcidas inseridas na mente das pessoas ao longo dos anos. Isso parece muito com o mundo no qual vivemos, não é mesmo?
A arte de Zanzim segue um estilo linha clara, com traços simples e muito funcionais. Sua arte acompanha a sofisticação do roteiro em diversos momentos, como nos belos paíneis nos quais o artista consegue representar uma série de ações em um cenário numa única página. Chama a atenção também a forma com que Zanzim brinca com o uso das cores, fazendo com que os tons sejam diferentes quando Lorenzo assume o protagonismo da história.
Os elogios a essa obra são justificados não só por este resenhista que está apresentando esse texto, mas também pela série de prêmios angariados por Hubert e Zanzim. O quadrinho foi publicado em 2020 na França e venceu os seguintes prêmios: Prêmio Fauve des Lycéens no Festival de Angoulême 2021, Grande Prêmio da Crítica Especializada (França) ACBD 2021, Prêmio dos Livreiros Canal BD 2021, Grande Prêmio RTL 2020, Prêmio Wolinski de la BD du Point 2020, Prêmio Landerneau BD 2020, Prêmio Ti-Zef 2020, Prêmio BDstagram 2020, Prêmio Imaginales de Quadrinhos dos Bibliotecários 2021. Não tenho dúvidas que será ainda mais premiado conforme for publicado em outros países.
A publicação da editora Nemo possui capa cartão, papel offset e formato 20.5 x 1 x 27.5 cm, sem extras. Há a biografia dos autores, que demonstra que a parceria entre eles é bem longeva. Infelizmente Hubert faleceu em 2020, antes da publicação de Pele de Homem e não pode ver toda a repercussão gerada.
Pele de Homem não é só um dos grandes quadrinhos lançados em 2021, mas uma leitura obrigatória para qualquer um que queira refletir sobre a sociedade. É o tipo de obra em que é impossível passar de forma indiferente por ela e não ser transformado de alguma forma. Simplesmente indispensável.
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Ficha técnica
Editora: Nemo
Tradução: Renato Silveira
Ano de lançamento: 2021
Páginas: 160
Preço: R$74,90
Lucas Araújo
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