Garth Ennis é um autor que me desperta opiniões conflitantes. Gosto bastante de seu trabalho em Hellblazer, no qual elevou John Constantine a outro patamar, mas acho trabalhos como Preacher e The Boys totalmente pueris, com violência gratuita e piadas sem graça, o que costumo chamar de quadrinho adulto para adolescentes de quinze anos. Mas na revista do Justiceiro publicada pelo selo Max ele utiliza uma abordagem completamente diferente, bem mais madura e crítica, na qual une entretenimento e interessantes reflexões para o leitor. É o início desta fase que a Panini compilou no encadernado Justiceiro – No Princípio.
Bom, antes de seguir com a resenha do quadrinho em si, é importante dar um contexto sobre o que estava acontecendo na Marvel no início dos anos 2000. Após quase falir nos anos 90, a Marvel começou a se reestruturar no final daquela década, com a entrada de figuras como Joe Quesada e Jimmi Palmiotti. Quesada se tornou chefe do editorial da Marvel, trazendo diversas ideias que ajudaram a editora a voltar ao topo. A vinda de roteiristas de Cinema e TV para os quadrinhos, como Kevin Smith e J. Michael Straczynski, a criação de selos como Ultimate e Marvel Knights, a invasão britânica na Marvel, como nomes como o próprio Ennis, Grant Morrison e Peter Milligan escrevendo para a editora, entre outras coisas. Com o fim definitivo do Comics Code Authority (sobre o qual já comentamos AQUI), as editoras passaram a definir classificações etárias para suas revistas e, no caso da Marvel, houve a criação do selo Max. Neste selo, o céu era o limite, já que os artistas podiam abordar temas mais maduros em suas histórias, tanto em ação quanto em linguagem, com ecos do que foi feito no selo Epic nos anos 80 e na Vertigo, só que de maneira mais “pé no chão”. É nesta situação editorial que Garth Ennis assume a revista do Justiceiro do selo Max (a qual ele já vinha escrevendo no selo Marvel Knights, mas com uma abordagem totalmente diferente, com humor bastante pueril como visto em Preacher e em outros de seus trabalhos).
Esqueça tudo que você já viu nos trabalhos mais famosos de Ennis, talvez com exceção em Hellblazer. Em Justiceiro, o roteirista procura tratar de temas como guerra, terrorismo, criminalidade, preconceito, entre outros, de forma bastante contundente e madura. Você não encontrará apenas uma máquina de matar criminosos nessa história, mas também reflexões bastante interessantes sobre a sociedade estadunidense pós 11 de Setembro. Um trabalho realmente impressionante.
Neste encadernado, a Panini compila a minissérie Justiceiro – Nascido Para Matar, em quatro partes, e as doze primeiras edições da revista mensal do personagem, reunindo os arcos No Princípio e Inferno Irlandês. Em Nascido Para Matar acompanhamos a jornada de Frank Castle na Guerra do Vietnã, podendo ver que Castle já era o Justiceiro muito antes do assassinato de sua família. Como diversos filmes já relataram, o conflito bélico trouxe traumas incuráveis àqueles que dele participaram, deixando marcas que o tempo não pôde apagar.
Em No Princípio vemos Castle devastando uma família de mafiosos italianos, ao mesmo tempo em que é perseguido por outras famílias criminosas e também pelo governo dos EUA, que quer usar suas habilidades em missões secretas da CIA. Neste arco Ennis procura tecer comentários muito pertinentes sobre como as guerras são causadas, seus impactos e como homens como Castle podem ser usados e descartados por aqueles que estão no poder.
Já em Inferno Irlandês, vemos a ocorrência de um atentado terrorista causado por antigos membros do IRA (o grupo paramilitar Irlandês) e seus impactos para os moradores de Nova York. Aqui Ennis faz referências claras ao 11 de Setembro e à sua visão dos EUA como imigrante Irlandês, trazendo uma perspectiva muito própria sobre esses assuntos ao leitor.
É claro que além de trazer as discussões que eu mencionei, o escritor procura explorar a figura de Frank Castle. O Justiceiro de Ennis é um homem de sessenta anos castigado pela vida, pelos seus traumas na guerra e a morte de sua família, que pouco expressa sentimentos e que segue seu código moral à risca. Suas ações realmente tornam o mundo melhor ou servem apenas para mantê-lo vivo, preenchendo seu vazio existencial? Definitivamente, este personagem não é apenas um simples assassino de criminosos.
As histórias são sempre ilustradas por excelentes artistas, o que as enriquecem ainda mais. Neste encadernado, as histórias são ilustradas respectivamente por Darick Robertson, Lewis Larosa e Leandro Fernández, artistas que conseguem mostrar toda a violência presente nos roteiros de forma bastante visceral. Uma coisa que me chamou a atenção é que nenhum desses artistas utiliza onomatopeias para mostrar os sons nas histórias. Só eles ou Ennis podem dizer quem foi o responsável por isso.
A edição da Panini é ótima, seguindo o padrão da coleção Marvel Deluxe: Capa dura, papel de ótima qualidade e extras. Aliás, os extras ajudam o leitor a se aprofundar na história, já que há um ótimo prefácio de Ennis falando sobre como ele teve contato com o Justiceiro e suas ideias para a série, um ótimo texto escrito pelo editor Paulo França sobre a guerra do Vietnã, com um panorama completo sobre conflito, e também uma galeria com as icônicas capas de Tim Bradstreet, que ajudaram a trazer a atmosfera realista para a série.
O preço do quadrinho é caro? Sem dúvidas, mas a série do Justiceiro escrita por Garth Ennis no selo Max é uma das melhores coisas que você pode ler em quadrinhos, vale cada centavo. Muito além de um matador de criminosos, o Justiceiro é uma figura complexa, assim como o ambiente em que vive. Não perca tempo e leia.
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Ficha técnica
Editora : Panini
Ano de lançamento: 2018
Páginas: 388
Preço: R$ 113,00
Lucas Araújo
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