O Livro dos Insetos Humanos – Tezuka quebrando padrões!

É muito pouco provável que você nunca tenha ouvido falar de Osamu Tezuka, seja pela importância gigantesca que ele teve na indústria de quadrinhos japoneses, ganhando a alcunha de Deus do Mangá, seja pelo seu relevante trabalho com animações, tendo criado obras como Astro Boy, Kimba e A Princesa e o Cavaleiro, que influenciaram trabalhos no mundo inteiro e demonstraram sua popularidade com o público infanto juvenil. Claro que um artista de tal grandeza não ficaria limitado apenas a uma faixa etária e entre os anos 60 e 80 Tezuka também produziu obras destinadas ao público adulto, iniciativa que apresentou alguns de seus melhores trabalhos, como Ayako, Buda e Recado a Adolf. O Livro dos Insetos Humanos, quadrinho lançado por aqui pela editora Darkside, é mais um exemplo da produção do autor neste período.

Publicado entre maio de 1970 e fevereiro de 1971, o quadrinho apresenta a história de Toshiko Tomura, uma bela jovem que se reinventa a todo momento para assumir o protagonismo nas mais diversas áreas, revelando-se uma grande estrela no teatro, designer de reconhecimento internacional e escritora vencedora do respeitado prêmio de literatura. Tal qual uma borboleta, Toshiko parece ter a habilidade de se metamorfosear para se adaptar aos mais diversos meios com grande naturalidade. Entretanto, um jornalista começa a investigar a vida da talentosa jovem e descobre que seu sucesso não advém de seu talento, mas de sua capacidade em usar pessoas, copiar as características delas que a interessam e galgar cada vez mais grandes postos na sociedade. Embora esteja em uma posição de destaque, parece que Toshiko nunca está satisfeita e busca um grande objetivo. Mas qual será ele? Qual será sua verdadeira obsessão de vida? O que poderá satisfazer seu desejo sem fim?

Tezuka é absolutamente brilhante ao elaborar uma trama que através de analogias com insetos (algumas envolvendo o nome de personagens, mas que só funcionam em japonês) questiona através de maneira satírica o papel da mulher na sociedade, o quão longe uma mulher precisa ir para se ver livre das amarras e expectativas machistas que esperam que ela siga quieta e subserviente. É uma obra muito impactante, ainda mais considerando o período em que foi publicada, já que não só apresenta esse tipo de questionamento, como também quebra o que era feito nos mangás seinen (voltados ao público masculino adulto), que até então apresentavam personagens femininas sob uma perspectiva sexualizada e sexista.

Claro que a obra não se restringe apenas a esses aspectos, já que também há comentários sobre política, com pesadas críticas aos conservadores, assim como sobre o que estava acontecendo com o Japão no período pós Segunda Guerra. Todo esse cenário social impactou muito a produção cultural japonesa, visto que, como comentei em meu texto sobre Ayako, foi durante esse período que houve a criação da revista Garo, lar de obras experimentais e de autores como Yoshiharu Tsuge (que teve Homem Sem Talento, seu trabalho mais reconhecido, publicado por aqui), e da revista COM pelo próprio Tezuka, quando o artista procurou escrever obras mais maduras e que quebrassem o padrão vigente, e que serviu de casa editorial para artistas do calibre de Katsuhiro Otomo (que você deve conhecer por Akira, sua obra mais famosa), além das primeiras produções de Hayao Myazaki e Isao Takahata, que posteriormente fundaram o Studio Ghibli. É uma época muito efervescente e importante para o país.

Com relação à arte, Tezuka apresenta seu estilo característico imbuído de maturidade e o contraste entre personagens caricatos e um cenário realista. Sempre é impressionante notar como mesmo com os prazos insanos existentes na indústria de quadrinhos japoneses, o artista conseguia experimentar tanto com relação ao traço como narrativamente. O autor dinamiza as páginas com uma disposição de quadros que não segue padrão algum, brinca com formas e cenários, emprega metáforas visuais e aplica perspectivas que tornam seu trabalho atemporal, não parece algo produzido nos anos 70. Há alguns problemas em um quadro ou outro com relação à proporção ou ângulo de câmera, mas nada que diminua o impacto do trabalho de Tezuka e que é totalmente justificável visto a velocidade de sua produção.

A edição da Darkside tem capa dura, papel offset e ótimos extras. Há um posfácio do próprio autor no qual ele detalha seus objetivos e motivação na concepção da obra, um texto do renomado jornalista e pesquisador Paul Gravett, no qual ele detalha o que estava acontecendo no Japão na época de publicação do mangá e como isso impactou o trabalho de Tezuka, um outro texto de Helen Mcarthy, pesquisadora especializada em cultura popular japonesa, em que ela fala sobre os aspectos feministas da obra, um texto da Tezuka Productions alertando sobre como alguns temas podem ter sido abordados de forma que não seriam hoje em dia e para que o leitor se atente a isso para não cometer algum tipo de anacronismo, além de um glossário que ajuda a entender certos termos e personagens. Não só um belo projeto gráfico, mas também editorial de excelente qualidade, sempre gosto de ver obras que apresentem textos que complementem a experiência. Fica aqui os parabéns à editora.

O Livro dos Insetos Humanos é uma obra que traz reflexões, que demonstra todo o poder criativo de Osamu Tezuka e que exemplifica o que é um grande quadrinho. Se você quer conhecer o trabalho do autor para além de suas obras mais conhecidas, é uma leitura indispensável. A palavra gênio muitas vezes é usada em vão, mas aqui é mais do que aplicável, é necessária.

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Ficha técnica

Editora: Darkside
Tradução: Luiz Claudio Bodanese
Ano de lançamento: 2022
Páginas: 384
Preço: R$79,90

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Lucas Araújo

Programador, estudante de TI e co-fundador do Justiça Geek. Fanático por quadrinhos, aficionado por filmes e séries, leitor faminto, gamer esporádico e músico (muito) frustrado. Gosta de falar sobre tudo isso em seu tempo livre(ou até mesmo quando não está tão livre...), debatendo questões essenciais para a humanidade como quem vence um crossover entre super- heróis, qual é seu escritor favorito e se um filme foi bem feito.